quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Tríplice viral

Da redação do Vermelho, Cláudio Gonzalez, com agências

Na TV, campanha aplica "vacinas" contra discurso anti-Dilma

Se houvesse carteirinha de vacinação para campanhas eleitorais e as vacinas fossem os programas na TV, a primeira peça de campanha da presidenciável Dilma Rousseff (PT) no horário eleitoral gratuito poderia ser considerada uma "tríplice viral". O jornalista João Santana, responsável pela campanha da candidata, conseguiu colocar no mesmo programa de 10 minutos três doses de vacina para neutralizar argumentos que a oposição costuma esgrimir contra Dilma.

Um deles é o de que a candidata não tem experiência e não está preparada para governar o país. Outra tese da oposição é que a luta de Dilma contra a ditadura é uma mancha na sua biografia. E, por fim, espalham que a ex-ministra é uma pessoa rude e antipática. Todas estas questões foram sutilmente abordadas e "neutralizadas" no programa de TV de Dilma, exibido nesta terça-feira, na estréia dos candidatos presidenciais na propaganda eleitoral gratuita.

Apelando para o tom emocional ---estratégia preferida por dez entre dez marqueteiros--, Santana conseguiu passar a mensagem de que Dilma está preparada sim para governar, de que se orgulha do seu passado de lutas e que por trás de sua "fama de má" há uma mulher doce, conciliadora, uma "mãezona" que vai cuidar do povo brasileiro. Foram estes os eixos do primeiro programa de Dilma na TV. A presença de Lula, já esperada, acabou nem sendo o apelo mais importante do programa, que focou na biografia e no perfil de Dilma.

Receita tradicional: emoção

Os primeiros programas do horário eleitoral são tradicionalmente usados para apresentar os candidatos e destacar suas biografias. Foi isso que o programa de Dilma e de seu adversário do PSDB, José Serra, fizeram no primeiro. Quem destoou foi a candidata do PV, Marina Silva, que optou por um vídeo-mensagem-alerta sobre os perigos ao meio ambiente.

Tanto o programa de Dilma quanto o de Serra elegeram a emoção como mote de estreia no horário eleitoral na televisão. Enquanto uma das primeiras falas de Dilma menciona a "paixão pra fazer" o que a mobiliza, Serra fala em governar com o coração. As propostas de governo ficaram para os programas seguintes.


Dilma demonstrou sua "afetividade" com o povo brasileiro e exalta sua "relação afetiva com o povo". Para ela, o governante não pode se guiar apenas racionalmente, tem que se "incomodar afetivamente com a pobreza". E conclui: "a mim sempre me tocou muito afetivamente a humildade do povo".

A equipe de Serra transformou em jingle a música "Bate coração", interpretada por Elba Ramalho, que também canta o jingle, numa alusão à tentativa do candidato e ex-governador de São Paulo se aproximar do eleitorado da região nordeste [Nota: Elba informou que não está na campanha nem autorizou o uso de sua voz]. Logo na abertura do programa, ouve-se na voz de Elba: "Tum, tum, eu vou de coração". Na sequência, Serra declara: "quero governar o País com os brasileiros no coração".

Essa também foi a opção do comando da equipe de Dilma, que, no programa de rádio de hoje, trouxe uma balada, com toques de viola, que transborda melancolia. O tema não entrou no programa de tevê, mas será explorado adiante, com um videoclipe sentimental, protagonizado por Lula e Dilma.

A canção remete a uma conversa em que Lula pede a Dilma que cuide dos brasileiros e introduz a sua despedida: "deixo em tuas mãos o meu povo e tudo o que mais amei (...) agora as mãos de uma mulher vão nos conduzir, eu sigo com saudade; meu povo ganhou uma mãe que tem um coração que vai do Oiapoque ao Chuí".

O discurso da emoção ajudou o "Lulinha paz e amor", moldado pelo publicitário Duda Mendonça, a vencer a eleição presidencial em 2002.

Menos Lula, mais Dilma

Ao contrário do que chegou a ser divulgado, Lula não foi o âncora do primeiro programa de Dilma. Ele aparece em várias imagens ao lado dela, mas só fala uma vez, no depoimento em que relata como, após um único encontro, impressionou-se com ela e decidiu que ela seria sua ministra de Minas e Energia.

Foi uma estratégia para não deixar que o presidente com 78% de aprovação popular ofusque a candidata. "A estrela do programa tem que ser a Dilma", frisou o presidente do PT e um dos coordenadores da campanha, José Eduardo Dutra.

Além de enfocar o lado humano de Dilma, a equipe de João Santana procurou explorar a linguagem feminina. Afinal, sua principal bandeira é a de representar as mulheres no poder. Por isso, o programa trouxe uma versão delicada e feminina de Dilma. Ela aparece com uma camisa branca e colar de pérolas, e em imagens suaves, ora admirando uma paisagem, ora brincando com o cachorro. Ela também aparece como filha, esposa e mãe. O eleitor é apresentado à sua filha única, Paula, e ouve um depoimento de seu ex-marido Carlos Araújo, uma novidade que responde ao questionamento de muita gente que se perguntava quem era, afinal, o ex-marido de Dilma e se ele seria um problema ou não para a campanha da candidata.

Santana destacou ainda a ligação de Dilma com Minas Gerais e o Rio Grande do Sul. "Olho o Brasil com um olhar mineiro, e penso o país com um pensamento gaúcho", diz Dilma no vídeo.

Interessante notar que as falas de Dilma, com seus vícios de linguagem, o excesso de "acho" e alguma gagueira, poderiam ter sido editadas, mas foram preservadas, talvez para não artificializar a candidata e mostrá-la mais próxima do povo.

O texto continua aqui.

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