quarta-feira, 17 de julho de 2013

O cidadão, esse espionado...

Somos mesmo espionados? Como dizia meu amigo Paulo Rehder, a “verdade está na ficção” >> Trecho do livro A JANELA QUEBRADA, de Jeffery Deaver:

Whitcomb forneceu outra senha de 16 dígitos, que Cooper digitou. Em seguida apertou a tecla ENTER.
Enquanto o texto ia enchendo a tela do computador, o criminalista murmurou, estupefato: — Ah, meu Deus.
Lincoln Rhyme não costumava espantar-se com qualquer coisa.

A C E S SO R E S T R I T O
A POSSE DESTE DOSSIÊ POR PARTE
DE QUALQUER PESSOA QUE NÃO SEJA TITULAR
DE AUTORIZAÇÃO A-18 OU SUPERIOR
É UMA TRANSGRESSÃO DA LEGISLAÇÃO FEDERAL
Dossiê 3-E - Conformidade Número SSD: 7303-4490-7831-3478
Nome: Amelia H Sachs Páginas: 478
SUMÁRIO
Clique em cada tópico para abrir
Nota: material arquivado pode levar até cinco minutos para ser acessado
PERFIL
• Nome/Apelidos/Pseudônimos/outros nomes
• Número da Previdência Social
• Endereço atual
• Vista do endereço atual por satélite
• Endereços anteriores
• Cidadania
• Raça
• História ancestral
• Origem nacional
• Descrição física/características distintivas
• Detalhes biométricos Fotografias Vídeo Impressões digitais Escaneamento da retina Escaneamento da íris Forma de caminhar Escaneamento facial Tipo de voz
• Amostras de tecido
• Histórico médico
• Filiações político-partidárias
• Organizações profissionais
• Fraternidades
• Filiações religiosas
• Histórico militar Serviço/dispensa Avaliação do Departamento de Defesa Avaliação da Guarda Nacional Treinamento em sistemas de armas
• Doações Políticos Religiosos Médicos Filantrópicos Sistema Nacional de Transmissão/Sistema Público de Rádio Outros
• Histórico psicológico/psiquiátrico
• Perfil Myers-Briggs de personalidade
• Perfil de preferência sexual
• Hobbies/ interesses
• Clubes/fraternidades
INDIVÍDUOS ATRELADOS AO SUJEITO PRINCIPAL
• Cônjuges
• Relações íntimas
• Descendentes
• Pai/mãe
• Irmãos/irmãs
• Avós (paternos)
• Avós (maternos)
• Outros parentes de sangue, vivos
• Outros parentes de sangue, falecidos
• Parentes por afinidade ou agregados
• Vizinhos Atuais Nos últimos cinco anos (arquivado, pode haver demora no acesso)
• Colegas de trabalho, clientes etc.
Atuais Nos últimos cinco anos (arquivado, pode haver demora no acesso)
• Conhecidos Pessoalmente Na internet
• Pessoas de interesse (PEI)
INFORMAÇÕES FINANCEIRAS
• Emprego — atual Categoria Histórico salarial Dias de ausência/motivos da ausência Desempenho/reivindicações Elogios/reprimendas Incidentes de discriminação Incidentes de saúde/segurança no trabalho Outros
• Emprego — anterior(es) (arquivado, pode haver demora no acesso) Categoria Histórico salarial Dias de ausência/motivos da ausência Desempenho/reivindicações Elogios/reprimendas Incidentes de discriminação Incidentes de saúde/segurança no trabalho Outros
• Rendimentos — atuais Declarados Não declarados No estrangeiro
• Rendimentos — anteriores Declarados Não declarados No estrangeiro
• Ativos atuais Imóveis Veículos e embarcações Conta bancária/títulos e valores Apólices de seguro Outros
• Ativos, últimos 12 meses, disposição ou aquisição fora do padrão Imóveis Veículos e embarcações Conta bancária/títulos e valores Apólices de seguro Outros
• Ativos, últimos cinco anos, disposição ou aquisição fora do padrão (arquivado, pode haver demora no acesso) Imóveis Veículos e embarcações Conta bancária/títulos e valores Apólices de seguro Outros
• Relatório/avaliação de crédito
• Transações financeiras, instituições baseadas nos EUA Hoje Últimos sete dias Últimos trinta dias Ano passado Últimos cinco anos (arquivado, pode haver demora no acesso)
• Transações financeiras, instituições baseadas no exterior Hoje Últimos sete dias Últimos trinta dias Ano passado Últimos cinco anos (arquivado, pode haver demora no acesso)
• Transações financeiras, sistema Hawala e outras à vista, nos EUA e no exterior Hoje Últimos sete dias Últimos trinta dias Ano passado Últimos cinco anos (arquivado, pode haver demora no acesso)
COMUNICAÇÕES
• Números de telefone atuais Celular Fixo Satélite
• Telefones anteriores nos últimos 12 meses Celular Fixo Satélite
• Telefones anteriores nos últimos cinco anos (arquivado, pode haver demora no acesso) Celular Fixo Satélite
• Números de Fax
• Números de pager
• Chamadas feitas e recebidas — telefone/pager, celular, PDA Últimos trinta dias Último ano (arquivado, pode haver demora no acesso)
• Chamadas feitas e recebidas — telefone/pager, fax Últimos trinta dias Último ano (arquivado, pode haver demora no acesso)
• Chamadas feitas e recebidas — telefone/pager, fax, satélite Últimos trinta dias Último ano (arquivado, pode demorar) • Grampeamento/interceptação Lei de Vigilância e Inteligência Externa Registros Título 3 Outros, ordens judiciais Outros, colateral
• Atividades telefônicas baseadas na web
• Provedores de serviço na internet, atuais
• Provedores de serviço na internet, últimos 12 meses
• Provedores de serviço na internet, últimos cinco anos (arquivado, pode haver demora no acesso)
• Sites favoritos na web
• Endereços de e-mail Atual Anterior(es)
• Atividade de e-mail, ano passado Histórico TC/PIP Endereços de destino Endereços de origem Conteúdo (ordem judicial pode ser necessária)
• Atividade de e-mail nos últimos cinco anos (arquivado, pode haver demora no acesso) Histórico TC/PIP Endereços de destino Endereços de origem Conteúdo (ordem judicial pode ser necessária)
• Sites na web, atuais Pessoais Profissionais
• Sites na web, últimos cinco anos (arquivado, pode haver demora no acesso) Pessoais Profissionais
• Blogs, lifelogs, sites na web (ver apêndice sobre textos de interesse)
• Avatares/outras personalidades on-line
• Listas de destinatários
• “Companheiros” em contas de e-mail
• Participação em bate-papos on-line
• Navegação na web, pedidos de busca/resultados
• Perfil de competência em digitação
• Perfil de gramática, sintaxe e pontuação nas buscas
• Histórico de entrega de encomendas
ATIVIDADES RELATIVAS AO ESTILO DE VIDA
• Compras hoje Itens sugeridos ou mercadorias Vestuário Veículos e correlatos Alimentos Bebidas alcoólicas Artigos de uso doméstico Aparelhos elétricos Outros
• Compras nos últimos sete dias Itens sugeridos ou mercadorias Vestuário Veículos e correlatos Alimentos Bebidas alcoólicas Artigos de uso doméstico Aparelhos elétricos Outros
• Compras nos últimos trinta dias Itens sugeridos ou mercadorias Vestuário Veículos e correlatos Alimentos Bebidas alcoólicas Artigos de uso doméstico Aparelhos elétricos Outros
• Compras durante o último ano (arquivado, pode haver demora no acesso) Itens sugeridos ou mercadorias Vestuário Veículos e correlatos Alimentos Bebidas alcoólicas Artigos de uso doméstico Aparelhos elétricos Outros
• Livros/revistas comprados on-line Suspeitos/subversivos Outros interesses
• Livros/revistas comprados em lojas de varejo Suspeitos/subversivos Outros interesses • Livros/revistas comprados em livrarias Suspeitos/subversivos Outros interesses
• Livros/revistas observados por pessoal de linhas aéreas Suspeitos/subversivos Outros interesses
• Outras atividades em livrarias
• Registro de compra de presentes de casamento/chá de panela/aniversário
• Filmes
• Programas de TV a cabo/programas pay-per-view assistidos, últimos trinta dias
• Programas de TV a cabo/programas pay-per-view assistidos, ano passado (arquivados, pode haver demora no acesso)
• Assinatura de rádios
• Viagens De automóvel Veículos próprios Alugados Transporte público Taxi/limusine Ônibus Trem Avião, comercial Doméstico, internacional Verificação de segurança da TSA Nome figurando em listas de proibição de voo
• Presença em locais de interesse (LI) Locais Mesquitas Outras localizações — EUA Mesquitas Outras localizações — internacional
• Presença ou trânsito em locais de alerta vermelho (LAI): Cuba, Uganda, Líbia, Iêmen do Sul, Libéria, Gana, Sudão, Rep. Dem. do Congo, Indonésia, Territórios Palestinos, Síria, Iraque, Irã, Egito, Arábia Saudita, Jordânia, Paquistão, Eritreia, Afeganistão, Chechênia, Somália, Sudão, Nigéria, Filipinas, Coreia do Norte, Azerbaijão, Chile.
POSIÇÃO GEOGRÁFICA DO SUJEITO

• Dispositivos GPS (todas as posições hoje) Em veículos Portáteis Em celulares
• Dispositivos GPS (todas as posições nos últimos sete dias) Em veículos Portáteis Em celulares
• Dispositivos GPS (todas as posições nos últimos trinta dias) Em veículos Portáteis Em celulares
• Dispositivos GPS (todas as posições no último ano) (arquivado, pode haver demora no acesso) Em veículos Portáteis Em celulares
• Observações biométricas Hoje Nos últimos sete dias Nos últimos trinta dias No ano passado (arquivado, pode haver demora no acesso)
• Relatórios RFID, menos leitores de pedágio eletrônico Hoje Nos últimos sete dias Nos últimos trinta dias No ano passado (arquivado, pode haver demora no acesso)
• Relatórios RFID, leitores de pedágio eletrônico Hoje Nos últimos sete dias Nos últimos trinta dias No ano passado (arquivado, pode haver demora no acesso)
• Transgressões no tráfego fotos/vídeos
• Circuito fechado — fotos/vídeo
• Supervisão por mandado judicial — fotos/vídeos
• Transações financeiras em pessoa Hoje Últimos sete dias Últimos trinta dias Ano passado (arquivado, pode haver demora no acesso)
• Celulares/PDA/telecomunicação Hoje Últimos sete dias Últimos trinta dias Ano passado (arquivado, pode haver demora no acesso)
• Incidentes próximos a alvos de segurança Hoje Últimos sete dias Últimos trinta dias Ano passado (arquivado, pode haver demora no acesso)
JURÍDICO
• Histórico criminal — EUA Detenção/interrogatório Voz de prisão Condenações
• Histórico criminal — no exterior Detenção/interrogatório Voz de prisão Condenações
• Listas de alerta
• Supervisão
• Litígios judiciais civis
• Ordens de restrição
• Histórico de denúncias
DOSSIÊS ADICIONAIS
• Bureau Federal de Investigação (FBI)
• Agência Central de Inteligência (CIA)
• Agência de Segurança Nacional
• Organização Nacional de Reconhecimento
• NPIA
• Agências Militares de Inteligência Exército Marinha Força Aérea Fuzileiros navais
• Departamentos locais e estaduais de inteligência policial
AVALIAÇÃO DE RISCO
• Avaliação como risco de segurança Setor privado Setor público

Aquilo era apenas o sumário do conteúdo. O dossiê de Amelia Sachs propriamente dito tinha quase quinhentas páginas.
Rhyme correu os olhos pela lista de tópicos e clicou em vários deles. O texto era muito denso. Ele murmurou:
— A SSD possui essas informações sobre todos os habitantes dos Estados Unidos?
— Não — respondeu Whitcomb. — Evidentemente, existem muito poucos dados sobre crianças com menos de 5 anos. Além disso, há várias lacunas em relação a muitos adultos. Mas a SSD faz o melhor que pode e aperfeiçoa constantemente os dossiês.
Aperfeiçoa?, pensou Rhyme.
Pulaski apontou a brochura com informações que Mel Cooper havia baixado.
— Quatrocentos milhões de pessoas? — Isso mesmo. E cada vez aumenta mais.
— E os dados são atualizados de hora em hora? — indagou Rhyme.
— Muitas vezes em tempo real.

NOTA DE JEFFERY DEAVES
Os leitores que queiram conhecer melhor a questão da privacidade poderão acessar os sites de algumas das seguintes organizações:
Electronic Privacy Information Center
(EPIC.org);
Global Internet Liberty Campaign
(www.gilc.org);
In Defense of Freedom
(www.indefenseoffreedom.org);
Internet Free Expression Alliance
(http://ifea.net);
The Privacy Coalition
(http://privcycoalition.org);
Privacy International
(www.privacyinternational.org);
Privacy.org
(www.privacy.org) e a
Electronic Frontier Foundation
(www.eff.org).
Creio que também gostarão — e se impressionarão — com o excelente livro do qual retirei diversas citações para usá-las como epigramas:
No Place to Hide, de Robert O’Harrow, Jr.
Ah, e assegure-se de prestar atenção em sua identidade. Se não o fizer, tem muita gente por aí que vai.

PS: Tem A JANELA QUEBRADA no clubinho.

domingo, 28 de abril de 2013

A luta de classes ao vivo!


Do querido companheiro Arnobio Rocha!
A partir de quarta, dia 1º, download gratuito nos formatos .ePub, .pdf e Kindle!

Sinopse

O nome do livro é contemporâneo – Crise 2.0 –, o meio de publicação também – textos de um blog editados em ebook –, mas o desastre que descreve é tão antigo quanto a acumulação capitalista. O objeto desta obra é a velha hidra do capital, a Crise de Superprodução, tão bem analisada por Marx, ressurgida nestes anos 2000 com força espantosa nas sociedades-símbolo do consumo, os Estados Unidos e a União Europeia. Para os acumuladores, um susto momentâneo enquanto não recompõem suas taxas de lucro, azar das forças produtivas destruídas pelo caminho. Para os trabalhadores, uma bigorna na cabeça. Foi-se a casa, foi-se o emprego, foi-se até a comida do prato, e ninguém aparece para salvá-los. Ao contrário do crash de 29, em que os capitalistas se atiravam das janelas dos prédios, os trabalhadores agora é que se matam em meio ao desespero da fome e da miséria. Conceitos e desdobramentos da crise em tempos pós-fim-da-história (?), em que governos socorrem banqueiros, seus patrões de fato, são o tema central deste livro instigante e provocador. Mas os personagens principais, as heroicas vítimas de tantas dores do capitalismo, são os trabalhadores. Por quê? Porque seu autor, Arnobio Rocha, marxista apaixonado, é comprometido com o destino, a dignidade e a causa da classe trabalhadora. Para ele, a história está bem longe do fim. 

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Sherlock e Marx: dois personagens perdidos

Acabo de ler um livro de papel (sim, porque agora só leio ebooks), "Sherlock Holmes e Marx, uma História de Amor e Morte na Comuna de Paris". O autor é Alexis Lecaye, roteirista de cinema e TV que escreve freneticamente nas horas vagas. A primeira edição francesa data de 1981, mas somente em 2004 (!!!) chegou ao Brasil pela muito por mim amada coleção Creme do Crime, da Zahar. E levei 9 anos pra descobrir o livro (!!!), indisponível em ebook. Comprei junto (numa oferta da Cia. dos Livros) "Sherlock Holmes e Einstein no Caso dos Cientistas Assassinados”, que ainda não li. ========================>

A trama é supermegablaster-interessante: Marx contrata Sherlock para impedir seu próprio assassinato por espião de Bismarck então misturado às multidões que agitavam a breve Comuna de Paris de 1871. Sim, porque teve a longa, né? A de 1789-1795, logo após a Queda da Bastilha, em 14 de julho de 1789 – a do Danton, do Marat, do Robespierre...

Abre parênteses: A França foi um caldeirão danado no pós-1789, especialmente entre
1804 e 1870, quando experimentou um regime autoritário depois do outro – Primeiro Império, Restauração, Monarquia de Julho, Segundo Império – sempre derrubados por insurreições que instituíam a República e a democracia, igualmente passageiras. Marx acompanhou de perto a Revolução Francesa de fevereiro de 1848, a segunda do século 19 (a primeira tinha sido a de 1830, meu deus!, chamada Le Trois Glorieuses, em referência a três dias de insurreição dos parisienses em julho). Fecha parênteses. (Tudo isso está na wiki francesa.)

Pois bem, essa Commune de Paris que o livro descreve durou pouco mais dois meses, de 18 de março de 1871 até a “Semaine Sanglante” (21 a 28 maio), insurreição resultante da derrota dos franceses na Guerra Franco-Prussiana (1870), quando Paris capitulou e acabou ocupada pelos tedescos. No livro, que começa com uma carta de Marx marcando encontro para 13 de abril, Sherlock estranha a caligrafia do gênio, hohohoho, adorei! Muito legal por parte do Lecaye lembrar o horror que era a letra do homem, olhem só:



É mole? Se não fosse a Jenny, mulher do Marx, que Sherlock descreve como linda e inteligente, talvez não tivéssemos essas brilhantes leis e categorias da economia...

"Na porta estava um indivíduo com cerca de cinquenta e cinco anos, de estatura ligeiramente inferior à média, vestido com um casacão escuro, um pouco puído, e levemente folgado nos ombros, como se seu proprietário o tivesse pego emprestado de um amigo mais gordo ou então subitamente emagrecido. Sua tez amarelada, doentia, e as olheiras roxas me fizeram inclinar pela segunda hipótese. (...) Uma grande barba precocemente grisalha (...) nele bastante crespa e encimada por um bigode vasto e negro, engolhia-lhe a parte inferior do rosto, sem conseguir dissimular uma grande boca de expressão irônica."

A descrição de Lecaye sugere olhar atento às fotos de Marx, que são poucas. Ou teria lido em algum lugar? Olhem as fotos:


Bonita mesmo a Jenny, jeitão altivo, olhar inteligente. Se a Comuna foi em 1871, Marx então teria 53 anos (ele é de 1814). Estaria mais como na foto à esquerda, não? Alá o vasto bigodão preto! Mas aos 57 a barba já está bem grisalha... sei lá.

Achei algumas discrepâncias no livro, especialmente sobre dinheiro, economias da Internacional etc. Mas o pior mesmo foi o retrato dos dois personagens. Não que o livro seja ruim, só que Marx mal aparece, e quando o faz é meio bobo, meio saltitante. Pior ainda é Sherlock. O livro não tem um só episódio com as deduções teórico-científicas ou mesmo empíricas típicas de Sherlock. O personagem vive aos trancos e barrancos, ao sabor dos acontecimentos, sem qualquer interferência nos eventos, nenhum planejamento -- a não ser nas cenas finais. O livro descreve a Paris da Comuna de 1871, o que já é delicioso, reconheço. Marx e Sherlock aí, porém, são apenas dois perdidos numa história alheia.

Observação: como dá trabalho ler livro de papel! Fiz essas pesquisas enquando lia. Se fosse um ebook, bastaria dedar a palavra na tela e pronto, abriria o Google ou a Wiki, copiaria e pronto. Ebook is beautiful!

sábado, 30 de março de 2013

Me senti na ditadura


Globo consegue o que a ditadura não conseguiu: calar imprensa alternativa

publicado em 29 de março de 2013 às 20:32



por Luiz Carlos Azenha
Meu advogado, Cesar Kloury, me proíbe de discutir especificidades sobre a sentença da Justiça carioca que me condenou a pagar 30 mil reais ao diretor de Central Globo de Jornalismo, Ali Kamel, supostamente por mover contra ele uma “campanha difamatória” em 28 posts do Viomundo, todos ligados a críticas políticas que fiz a Kamel em circunstâncias diretamente relacionadas à campanha presidencial de 2006, quando eu era repórter da Globo.
Lembro: eu não era um qualquer, na Globo, então. Era recém-chegado de ser correspondente da emissora em Nova York. Fui o repórter destacado para cobrir o candidato tucano Geraldo Alckmin durante a campanha de 2006. Ouvi, na redação de São Paulo, diretamente do então editor de economia do Jornal Nacional, Marco Aurélio Mello, que tinha sido determinado desde o Rio que as reportagens de economia deveriam ser “esquecidas”– tirar o pé, foi a frase — porque supostamente poderiam beneficiar a reeleição de Lula.
Vi colegas, como Mariana Kotscho e Cecília Negrão, reclamando que a cobertura da emissora nas eleições presidenciais não era imparcial.
Um importante repórter da emissora ligava para o então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, dizendo que a Globo pretendia entregar a eleição para o tucano Geraldo Alckmin. Ouvi o telefonema. Mais tarde, instado pelo próprio ministro, confirmei o que era também minha impressão.
Pessoalmente, tive uma reportagem potencialmente danosa para o então candidato a governador de São Paulo, José Serra, censurada. A reportagem dava conta de que Serra, enquanto ministro, tinha autorizado a maior parte das doações irregulares de ambulâncias a prefeituras.
Quando uma produtora localizou no interior de Minas Gerais o ex-assessor do ministro da Saúde Serra, Platão Fischer-Puller, que poderia esclarecer aspectos obscuros sobre a gestão do ministro no governo FHC, ela foi desencorajada a perseguí-lo, enquanto todos os recursos da emissora foram destinados a denunciar o contador do PT Delúbio Soares e o ex-ministro da Saúde Humberto Costa, este posteriormente absolvido de todas as acusações.
Tive reportagem sobre Carlinhos Cachoeira — muito mais tarde revelado como fonte da revista Veja para escândalos do governo Lula — ‘deslocada’ de telejornal mais nobre da emissora para o Bom Dia Brasil, como pode atestar o então editor Marco Aurélio Mello.
Num episódio específico, fui perseguido na redação por um feitor munido de um rádio de comunicação com o qual falava diretamente com o Rio de Janeiro: tratava-se de obter minha assinatura para um abaixo-assinado em apoio a Ali Kamel sobre a cobertura das eleições de 2006.
Considero que isso caracteriza assédio moral, já que o beneficiado pelo abaixo-assinado era chefe e poderia promover ou prejudicar subordinados de acordo com a adesão.
Argumentei, então, que o comentarista de política da Globo, Arnaldo Jabor, havia dito em plena campanha eleitoral que Lula era comparável ao ditador da Coréia do Norte, Kim Il-Sung, e que não acreditava ser essa postura compatível com a suposta imparcialidade da emissora. Resposta do editor, que hoje ocupa importante cargo na hierarquia da Globo: Jabor era o “palhaço” da casa, não deveria ser levado a sério.
No dia do primeiro turno das eleições, alertado por colega, ouvi uma gravação entre o delegado da Polícia Federal Edmilson Bruno e um grupo de jornalistas, na qual eles combinavam como deveria ser feito o vazamento das fotos do dinheiro que teria sido usado pelo PT para comprar um dossiê contra o candidato Serra.
Achei o assunto relevante e reproduzi uma transcrição — confesso, defeituosa pela pressa – no Viomundo.
Fui advertido por telefone pelo atual chefão da Globo, Carlos Henrique Schroeder, de que não deveria ter revelado em meu blog pessoal, hospedado na Globo.com, informações levantadas durante meu trabalho como repórter da emissora.
Contestei: a gravação, em minha opinião, era jornalisticamente relevante para o entendimento de todo o contexto do vazamento, que se deu exatamente na véspera do primeiro turno.
Enojado com o que havia testemunhado ao longo de 2006, inclusive com a represália exercida contra colegas — dentre os quais Rodrigo Vianna, Marco Aurélio Mello e Carlos Dornelles — e interessado especialmente em conhecer o mundo da blogosfera — pedi antecipadamente a rescisão de meu contrato com a emissora, na qual ganhava salário de alto executivo, com mais de um ano de antecedência, assumindo o compromisso de não trabalhar para outra emissora antes do vencimento do contrato pelo qual já não recebia salário.
Ou seja, fiz isso apesar dos grandes danos para minha carreira profissional e meu sustento pessoal.
Apesar das mentiras, ilações e tentativas de assassinato de caráter, perpretradas pelo jornal O Globo* e colunistas associados de Veja, friso: sempre vivi de meu salário. Este site sempre foi mantido graças a meu próprio salário de jornalista-trabalhador.
O objetivo do Viomundo sempre foi o de defender o interesse público e os movimentos sociais, sub-representados na mídia corporativa. Declaramos oficialmente: não recebemos patrocínio de governos ou empresas públicas ou estatais, ao contrário da Folha, de O Globo ou do Estadão. Nem do governo federal, nem de governos estaduais ou municipais.
Porém, para tudo existe um limite. A ação que me foi movida pela TV Globo (nominalmente por Ali Kamel) me custou R$ 30 mil reais em honorários advocatícios.
Fora o que eventualmente terei de gastar para derrotá-la. Agora, pensem comigo: qual é o limite das Organizações Globo para gastar com advogados?
O objetivo da emissora, ainda que por vias tortas, é claro: intimidar e calar aqueles que são capazes de desvendar o que se passa nos bastidores dela, justamente por terem fontes e conhecimento das engrenagens globais.
Sou arrimo de família: sustento mãe, irmão, ajudo irmã, filhas e mantenho este site graças a dinheiro de meu próprio bolso e da valiosa colaboração gratuita de milhares de leitores.
Cheguei ao extremo de meu limite financeiro, o que obviamente não é o caso das Organizações Globo, que concentram pelo menos 50% de todas as verbas publicitárias do Brasil, com o equivalente poder político, midiático e lobístico.
Durante a ditadura militar, implantada com o apoio das Organizações Globo, da Folha e do Estadão — entre outros que teriam se beneficiado do regime de força — houve uma forte tentativa de sufocar os meios alternativos de informação, dentre os quais destaco os jornais Movimento e Pasquim.
Hoje, através da judicialização de debate político, de um confronto que leva para a Justiça uma disputa entre desiguais, estamos fadados ao sufoco lento e gradual.
E, por mais que isso me doa profundamente no coração e na alma, devo admitir que perdemos. Não no campo político, mas no financeiro. Perdi. Ali Kamel e a Globo venceram. Calaram, pelo bolso, o Viomundo.
Estou certo de que meus queridíssimos leitores e apoiadores encontrarão alternativas à altura. O certo é que as Organizações Globo, uma das maiores empresas de jornalismo do mundo, nominalmente representadas aqui por Ali Kamel, mais uma vez impuseram seu monopólio informativo ao Brasil.
Eu os vejo por aí.
PS do Viomundo: Vem aí um livro escrito por mim com Rodrigo Vianna, Marco Aurelio Mello e outras testemunhas — identificadas ou não — narrando os bastidores da cobertura da eleição presidencial de 2006 na Globo, além de retratar tudo o que vocês testemunharam pessoalmente em 2010 e 2012.
PS do Viomundo 2: *Descreverei detalhadamente, em breve, como O Globo e associados tentaram praticar comigo o tradicional assassinato de caráter da mídia corporativa brasileira.
Leia também:
Justiça conclui que Ali Kamel não manda na Globo

terça-feira, 19 de março de 2013

Marilena Chauí, sempre

"Democracia e sociedade autoritária": palestra da filósofa Marilena Chauí no Café com Ideias, Goiânia, 13/3/2013. Posto os vídeos (do canal de Ageu Viana de Sousa) porque a matéria que resumiu a fala é totalmente insatisfatória.

Parte 1



Parte 2



Parte 3



Parte 4



Parte 5



Parte 6



A última parte virá em breve, informou o dono do canal.

Krugman apenas perfeito


Amigo chama atenção para post do dia 15 de Paul Krugman. De fato, não podia ser melhor. Dei uma traduzidinha.

Other People’s Children, Paul Krugman, NYT (15/3/2013)


Filhos dos outros 

Paul Krugman
Matthew Yglesias toca num ponto que eu pretendia abordar. O senador Rob Portman ganhou manchetes ao declarar seu apoio ao casamento gay após descobrir que o próprio filho é gay, e aparentemente somos obrigados a exaltá-lo por seu novo esclarecimento. Mas se esclarecimento é bom, não seria melhor se ele tivesse mostrado alguma flexibilidade sobre a questão antes de saber que a própria família seria beneficiada?

Vemos muito isso na vida americana ultimamente -- esse tipo de visão estreita de altruísmo, em que é considerado perfeitamente aceitável apoiar apenas as causas diretamente boas para você e os seus. Temos até uma tendência a considerar "inautênticas" as pessoas que apoiam políticas que não sejam de seu próprio interesse – se um homem rico apoia mais impostos sobre os ricos seria visto como estranho e, provavelmente, hipócrita.

Desnecessário dizer, está tudo errado. Virtude política consiste em bater pé no que é certo, mesmo -- ou até principalmente -- quando não redunde em seu próprio benefício. Alguém deveria perguntar a Portman por que ele não toma posição para, você sabe, os filhos dos outros.
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