quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Novo Hobsbawm para os perturbados de sempre

Marx, Engels, Lênin:
teoria anticabeçada  

Esqueçam o tamanho (o moço escreve demais mesmo, sempre); esqueçam que se trata de um marxista "cristão" (ai ai...); esqueçam o sarcasmo gratuito dirigido a Dawkins (a quem ele odeia); esqueçam a redução do Manifesto Comunista; esqueçam uma ou outra piadinha contra o próprio autor do livro; esqueçam as besteiras, enfim. É o Terry Eagleton resenhando o Eric Hobsbawm, e isso é de um valor monumental.

Esse deve ser um livro imperdível. Quanto mais teoria marxista debatermos mais saberemos interpretar os fatos, por exemplo, do novo governo. Está insuportável a pressão para que  Dilma quebre tudo e faça de uma vez por todas a revolução. Oba, também quero. Mas não dá. Então, para acalmar afoitezas, oportunismos e voluntarismos, nada como estudar Marx, Engels, Lênin, Gramsci, essa turminha que sabia distinguir as questões de princípio das "querelas mesquinhas" (expressão de Lênin em Um passo à frente, dois atrás, de 1904). Tá, não estou dizendo que Lênin esteja no patamar teórico da dupla, mas sabia muito de estratégias e táticas da organização do partido.

A laboriosa tradução abaixo é @VilaVudu! (Incluí por minha conta imagens e legendas)

***

Indomáveis

Terry Eagleton

Distinguished Professor de English Literature na Lancaster University. Seu livro mais recente é On Evil.

London Review of Books, vol. 33, n. 5, 3/3/2011, pp. 13-14

A capa do livro, que na
Amazon.co.uk custa £ 15
Resenha de How to Change the World: Marx and Marxism 1840-2011, Eric Hobsbawm, Little, Brown, 470 pp., £25.00, Janeiro 2011, ISBN 978 1 4087 0287 1

Em 1976, muita gente no Ocidente pensava que o marxismo era ideia a favor da qual se podia facilmente argumentar. Em 1986, a maioria das mesmas pessoas já não pensavam como antes. O que aconteceu nesse entretempo? Estarão todos aqueles marxistas enterrados sob uma pilha de filhos engatinhantes? Todo o marxismo terá sido desmascarado, com seus vícios expostos por novas pesquisas revolucionárias fortes? Terá alguém tropeçado em manuscrito perdido, no qual Marx confessou que era tudo mentira, piadinha?

Estamos falando, atenção, sobre 1986, poucos anos antes do colapso do bloco soviético. Como Eric Hobsbawm lembra nessa coleção de ensaios, não foi o colapso do bloco soviético que levou tantos crentes tão fiéis a mandar para a lixeira os cartazes de Guevara. O marxismo já estava em pandarecos desde alguns anos antes de o muro de Berlim vir abaixo. Uma das razões da debacle foi que o tradicional agente das revoluções marxistas, a classe trabalhadora, havia sido varrida do mundo por mudanças do sistema capitalista – ou, pelo menos, já não era maioria significativa. É verdade que o proletariado industrial encolheu muito, mas Marx jamais disse que a classe trabalhadora fosse composta só de proletários da indústria.

Em Das Kapital, os trabalhadores do comércio aparecem no mesmo nível que os trabalhadores da indústria. Marx também sabia muito bem que o maior, e muito maior, grupo de trabalhadores assalariados de seu tempo não eram os trabalhadores da indústria, mas os empregados domésticos, a maioria dos quais eram mulheres. Marx e seus discípulos jamais supuseram que alguma classe trabalhadora pudesse avançar sozinha, sem construir alianças com outros grupos oprimidos. E, embora o proletariado industrial devesse ter papel de liderança, nada permite supor que Marx supusesse que tivesse de ser maioria, para desempenhar seu papel.

O genial Gramsci
Mas, sim, algo aconteceu, sim, entre 1976 e 1986. Acossada por uma crise de lucros, a produção de massa à moda antiga deu lugar a produção em menor escala, mais versátil, descentralizada e pós-industrial, a uma cultura ‘pós-industrial’ de consumo, de tecnologia da informação e da indústria de serviços. A terceirização e a globalização viraram a nova ordem do dia. Mas isso não implicou mudança essencial no sistema; só levou a geração de 1968 a trocar Gramsci e Marcuse por Said e Spivak. Ao contrário, o sistema estava então mais poderoso que nunca, com a riqueza ainda mais concentrada em poucas mãos e as desigualdades de classe crescendo rápidas. Foi isso, ironicamente, que fez disparar as esquerdas em busca da saída mais próxima.

As ideias radicais degradadas, oferecidas como mudança radical, pareciam cada vez mais implausíveis. A única figura pública que denunciou o capitalismo nos últimos 25 anos, diz Hobsbawm, foi o papa João Paulo II. Duas ou três décadas depois, os covardes e fracos de coração assistiram à glória de um sistema tão exultante e impregnável, que só precisava cuidar de manter abertas as caixas de autoatendimento dos bancos em todas as ruas e esquinas.

Hobsbawm: nascido em 1917!!!
(Mais aqui)
Eric Hobsbawm, que nasceu no ano da Revolução Bolchevique, permanece amplamente comprometido com o campo marxista – fato que se deve destacar, porque é fácil ler seu livro sem se aperceber desse compromisso. Isso, pela consistência do saber do autor, não porque salte de galho em galho. O autor conviveu com tantas das turbulências históricas sobre as quais discorre, que é fácil fantasiar que a própria história falaria nessas páginas – efeito da sabedoria enxuta, que tudo vê, desapaixonada. Difícil pensar em outro crítico do marxismo assim tão competente para refletir sobre as próprias crenças com tanta honestidade e equilíbrio.

Hobsbawm, é claro, não tem a onisciência do Espírito-do-mundo hegeliano, apesar do saber cosmopolita e enciclopédico. Como muitos historiadores, não é muito afiado no campo das ideias e erra ao sugerir que os discípulos de Louis Althusser trataram Marx’s Capital como se fosse, basicamente, trabalho de epistemologia. Nem o Geist de Hegel trataria o feminismo, sequer o feminismo marxista, com tão gélida indiferença, ou dedicaria só rápidas notas laterais a uma das mais férteis correntes do marxismo moderno – o trotskismo. Hobsbawm também pensa que Gramsci seja o mais original pensador que o ocidente produziu desde 1917. Talvez queira dizer o mais original pensador marxista, mas nem isso está absolutamente claro. Walter Benjamin, com certeza, seria candidato mais bem qualificado para esse trono.

Por último, o próprio
Eagleton (daqui)
Mas fato é que até os mais eruditos estudiosos de marxismo têm muito a aprender nesses ensaios. É parte, por exemplo, do fundo de comércio do materialismo histórico que Marx esgrimiu com decisão contra os vários socialistas utópicos que o cercavam. (Um deles acreditava que, no mundo ideal, o mar viraria limonada. Marx, sem dúvida, preferiria Riesling.) Hobsbawm, ao contrário, insiste em que Marx teria dívida substancial com esses pensadores, que iam “dos penetrantemente visionários, até os psiquicamente perturbados”. Fala claramente do caráter fragmentário dos escritos políticos de Marx, e insiste, acertadamente, em que a palavra “ditadura”, na expressão “ditadura do proletariado”, que Marx usou para descrever a Comuna de Paris, tem significado absolutamente diferente do que hoje se conhece. A revolução deveria ser vista não simplesmente como repentina transferência do poder, mas como prelúdio de longo, complexo, imprevisível período de transição. Dos últimos anos da década dos 1850s em diante, Marx já não considerava nem iminente nem provável qualquer repentina tomada do poder. Por mais que tenha elogiado entusiasticamente a Comuna de Paris, Marx pouco esperava dela. Nem a ideia de revolução seria simploriamente oposta à ideia de reforma, da qual Marx foi defensor persistente.

Como Hobsbawm poderia ter acrescentado, houve revoluções praticamente sem derramamento de sangue, e alguns espetacularmente sanguinolentos processos de reforma social.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Mubarak roubou bilhões. E carregou!

AFP
O Daily Beast é uma publicação fresquinha, conservadorazinha (está se associando à Newsweek), mas tem pautas imaginativas. Pode ser “culpa” da dona, Tina Brown, ex-Vanity Fair e The New Yorker (e não é americana, mas britânica), que sempre se destacaram com matérias diferentes.

Desde o dia 12 eles vêm tratando de um lado interessante dos eventos no Egito, a caça ao tesouro do velho faraó. Hosni Mubarak, a mulher, Suzanne, e o filhos Gamal (D) e Alaa (E) juntaram (roubaram, né?) dezenas de bilhões de dólares e captaram-se indícios de que parte deles foi transferida assim que começaram os protestos, conta Philip Shenon (que fez grande parte da carreira no New York Times), para contas secretas mundo afora e investimentos de difícil rastreamento, segundo a CIA e agências de espionagem europeias – que acham exagerado, entretanto, o montante de US$ 70 bilhões que se andou noticiando.

Um banco suíço congelou contas que acredita serem de Mubarak. “Se ele tinha dinheiro em Zurique já pode ter tirado de lá”, diz “alto funcionário de inteligência” a Shenon. “Os Mubaraks não queriam acabar como Ben Ali” (o presidente tunisiano Zine El Abidine Ben Ali e família fugiram para o exílio na Arábia Saudita tão depressa que a Suíça teve tempo de congelar cifra conseiderável de seus bens).

Ou seja, Mubarak quis seguir à risca o velho ditado – conhecem? – de que vergonha é roubar e não poder carregar. Boba eu que pensei nele como autista surdo ao barulhão da Tahrir. Ele ouvia, mas estava cuidando do dindim; afinal, teve mais de 30 anos para guardar sua parte das propinas do Ocidente. Li não me lembro onde que um dos cupinchas dele foi visto no aeroporto de Dubai com 97 malas de dinheiro. Não parece absurdo? Pois Shenon vai tratar disso mais tarde.

Mas o filho mais novo, Gamal, 47 anos, que vive em Londres a maior parte do ano, também estaria à frente dos negócios superdiversificados da família. Shenon comenta que esta fortuna é “especialmente chocante dada a pobreza da nação: a renda média egípcia é de US$ 6 mil anuais (a do Brasil era estimada pela CIA em US$ 10.900 em 2010 -- em 2006 era de US$ 7.500), com quase 20% da população recebendo "o equivalente a menos de um dólar por dia”.

Para Christopher Davidson, pesquisador de Oriente Médio na Durham University, Norte da Inglaterra, Mubarak acumulou fortuna em tal escala que pode humilhar seus vizinhos mais gananciosos. “Isso é algo a que a mídia internacional nunca deu muita atenção, mas nas ruas árabes é bem conhecido”, diz. “Ao falar dos Mubaraks estamos falando de uma das famílias mais ricas do mundo, que controlam grande império de bens cuidadosamente estocados”. A maior parte desse dinheiro nunca aparecerá “por mais agressiva que seja a busca”. Isso porque famílias assim pagam alto para garantir que investigações sobre seu dinheiro levem a lugar nenhum.
Sean Gallup / Getty Images
Hoje, dia 17, Shenon voltou com outra matéria, Mubarak's Elusive Fixer, sobre o homem que esconde o ouro do faraó: Hussein Salem, ex-espião egípcio de uns 80 anos que ficou rico vendendo gás natural egípcio a Israel (a preço baixo, uma das queixas dos manifestantes da Praça Tahrir, acrescente-se) com sua empresa East Mediterranean Gas, a EMG. Pois ele “foi visto” em Dubai com US$ 500 milhões em dinheiro. Sabe-se lá como, Shenon não explica.

Diplomatas, economistas e banqueiros entendidos em Egipto disseram ao Daily Beast que se um governo pós-Mubarak quiser rastrear os bilhões do ex-presidente deve rastrear o sempre esquivo Salem, cujos laços com Mubarak e seu clã datam de décadas. Também devem procurar empresários de destaque nos Estados Unidos e em Israel que a eles se associaram, como o bilionário de Chicago Sam Zell, que investiu US$ 250 milhões em 2007 no negócio de gás natural de Salem. "Salem é um verdadeiro mascate", disse Ibrahim Oweiss, economista nascido no Egito hoje na Universidade de Georgetown que conheceu Salem nos anos 70. A luxuosa casa de Mubarak no balneário egípcio de Sharm el-Sheikh é um empreendimento imobiliário de Salem com o filho mais velho do “faraó”, Alaa.

O homem é danado mesmo. Nos anos 80 fundou na Virgínia, com um ex-funcionário da CIA, companhia aérea que transportava armas americanas para o Egito depois do acordo de paz de Camp David. Em 1983 foi processado por superfaturar esse transporte em US$ 8 milhões! Oweiss, o egípcio da Georgetown University, está louco para voltar a seu país e usar suas habilidades para ajudar no rastreamento da fortuna de Mubarak.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Revolução Poodle? Essa foi de lascar!

Caraca, depois do texto de hoje do Pepe Escobar, o pessimismo se instala aqui no barraco. Ah, nesta tradução pedi ajuda aos universitários (o Google), pra ver se não faço besteira (mas é duro aquilo lá, viu?, parece fala de criança). Ah2, a foto não está no What's Left (imagine, Mr Gowans usando figurinha...), eu é que achei bonitinho o poodle e seu dono bem juntinhos e alegrinhos.

A Revolução Poodle

É um velho truque para acalmar uma rebelião que poderia se transformar em desafio sistêmico: mudar o cara no topo e chamar de revolução.

Stephen Gowans

Tantawi e o secr. Robert Gates
Não devemos reduzir o significado da revolta de 18 dias na Praça Tahrir mas, ao mesmo tempo, não devemos exagerar seu significado. Um autocrata apoiado pelos EUA foi forçado a demitir-se. Mas a expulsão de Mubarak, que gostaríamos de chamar de início de uma revolução, está longe disso. Uma revolução propriamente dita vai além da mera mudança de forma política e de governantes. Ela transforma as instituições e transfere a propriedade de uma classe para outra.

Talvez uma revolução no Egito venha no tempo, mas até agora tudo o que aconteceu é que o poder foi transferido de Mubarak para o marechal Hussein Tantawi, antigo aliado de Mubarak, adversário estridente da mudança política que sempre resistiu a reformas sociaias e é ridicularizado nos telegramas do Wikileaks como o "poodle" de Mubarak. (1) O mubarakismo não acabou. Os legalistas de Mubarak e o establishment militar e comercial permanecem firmemente no controle. (2)

Firmemente no comando do novo Egito permanecem os Estados Unidos. Os militares egípcios são em grande parte uma extensão do Pentágono. O Pentágono oferece financiamento e equipamentos e treina seu corpo de oficiais superiores. Nos últimos 30 anos, Washington injetou US$ 35 bilhões em ajuda militar ao Egito, permitiu que o país construísse 1.000 tanques M1A1 Abrams em seu território, treinou funcionários do Egito em instituições de defesa dos EUA e promoveu grandes operações militares a partir de bases egípcias. (3)

Será o mubarakismo substituído por uma democracia multipartidária, em que a engenharia do consentimento, e não a lei de emergência e da polícia secreta, manterá a plebe na linha? Talvez. A Casa Branca e o Departamento de Estado "já discutiam novos fundos para apoiar a ascensão de partidos políticos seculares", (4) procurando a saída qualquer que seja o resultado das eleições.

A abertura do espaço político que proporciona uma democracia liberal é realmente preferível à ditadura de Mubarak, mas se isso é tudo o que vem da revolta da Praça Tahrir, a bitola dificilmente terá alargado significativamente.

Notas

1) Thom Shanker and Eric Schmitt, “Egypt’s military leaders face power sharing test”, The New York Times, February 11, 2011.
2. Thomas Walkom, “Cairo coup welcomed (sort of) by the West”, The Toronto Star, February 12, 2011.
3. Elisabeth Bumiller, “Calling for restraint, Pentagon faces test of influence with ally”, The New York Times, January 29, 2011.
4. David E. Sanger, “Obama presses Egypt’s military on democracy”, The New York Times, February 11, 2011.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Pepe Escobar: "À sombra do vulcão (egípcio)"

A Porta do Inferno, de Rodin
Lasciate ogni speranza, voi ch’entrate...

Pepe Escobrar derruba toda e qualquer espécie de otimismo, vou te contar...

***

À sombra do vulcão (egípcio)*

Pepe Escobar

Asia Times Online
, 15/2/2011, via @VilaVudu

A festa – e que festa! – acabou. Agora é tempo de ressaca – e que ressaca.

Apresento-lhes o novo chefão, ou o Faraó reconstruído em formato de Shiva: o Conselho Supremo das Forças Armadas. Se fosse no sudeste da Ásia, já estariam repetindo que “tudo igual, só que diferente”.


Em vez de estado policial, é tempo de comunicados (replay dos anos 1970s). O presidente e o vice-presidente dissolveram o Parlamento (mas o primeiro-ministro Ahmed Shafiq indicado pelo Faraó insiste que o atual “Kangaroo cabinet” mantém-se onde está para fazer a tal “transição ordeira”). A Constituição foi suspensa. O exército tenta impor a noção de que comandará o Egito pelos próximos seis meses. Esperam-se violências vagamente sinistras, para conter greves e “caos e desordem”.


O que mais pode fazer um democrata, Prêmio Nobel e presidente dos EUA, além de apoiar um golpe militar? (Mais replay dos anos 1960s e 1970s). Recapitulando: a Casa Branca e o Departamento de Estado adorariam ver Hosni Mubarak pelas costas.


Mas a Arábia Saudita, Israel e a CIA-EUA precisavam desesperadamente que Hosni Mubarak ficasse onde estava. Ao mesmo tempo Mubarak – versão trash, cabelos pintados cor acaju, de Luis XVI – lutava pela própria sobrevivência. O vice-presidente Omar “Sheikh al-Tortura” Suleiman, apoiado por Washington e Bruxelas, lutava pela sobrevivência do regime (a tal “transição ordeira”), e Washington lutava pela sobrevivência de um dos pilares crucialmente importantes da “estabilidade” no Oriente médio. A rua, essa, lutava pela vida.


Fácil explicar por que a CIA não previu coisa alguma. A agência pode ser ótima nos negócios de entregar prisioneiros para serem torturados pelo Sheikh al-Tortura, mas, sobretudo, vive presa num apertado espartilho ideológico, desde os anos Ronald Reagan. A CIA simplesmente não fala com viva alma se não com os vassalos; vale para o Hamás e para a Fraternidade Muçulmana (com os quais os EUA-CIA não falam).


Portanto, a CIA-EUA não têm como obter formação de boa qualidade, viva, em campo, inteligência que se aproveite. Os subterrâneos ferviam, no Egito, no mínimo desde 2005. A embaixada dos EUA no Cairo sequer tinha agente de ligação com a Fraternidade Muçulmana. E o homem no qual investiram tudo, Suleiman, não existe, é não-entidade (visualizem Langley afogado num dilúvio de lágrimas).


No final, a rua egípcia resolveu o caso. Capangas miseravelmente pagos para armar confusão dos infernos receberam ordens de atirar contra cidadãos desarmados e fizeram o que puderam. Discretos sindicalistas trabalharam anos na organização. Juízes em passeata pelas ruas fizeram o que puderam. E grupos de juventude também fizeram o que puderam. Os jovens revolucionários do Movimento 25 de Janeiro rapidamente acordaram para a realidade.


Agora, já perceberam claramente que Washington optou pelo prejuízo menor e está dando luz verde ao conceito onanista de golpe militar contra ditadura militar. OK, vão-se os sonhos mais luminosos, mas pelo menos há um precedente que nos enche de esperanças: a revolução de 1974 em Portugal, levou, um ano depois, a uma democracia sólida de tendência socialista.


Meu comunicado é maior que o seu
Que negócio de comunicados é esse, em que o Conselho Supremo parece viciado? A rua sabe que não passam de empregados e vassalos de Mubarak, todos com mais de 70 anos, a começar pelo líder do golpe, ministro da Defesa marechal-de-campo Mohammed Hussein Tantawi, 75 anos – muito próximo de Robert Gates do Pentágono (detalhe crucial: Tantawi chegou ao comando supremo depois de estágio na chefia do exército privado de Mubarak, os Guardas Republicanos).

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Sameh Shoukry sabe (muito) das coisas. Eu, nada sei!

This Week, ABC News
Sameh Shoukry, embaixador do Egito nos Estados Unidos (ver perfil no pé), é um homem superbem-informado e de total confiança do ministro da Defesa, marechal Mohamad Tantawi, que lidera o Conselho Supremo das Forças Armadas. Por que digo isso? Porque ele deu o furo da renúncia do Mubarak. Foi ele que disse à CNN: "Hosni Mubarak is no longer in power". E não foi em off não. A CNN manteve essa afirmação na tela, atribuída a ele, por muito tempo, solitariamente. O governo egípcio chegou a desmentir, mas foi o que ocorreu, afinal, quando o Suleiman confirmou a renúncia.

ERREI SIM, ERREI MUITO! A minha amiga Claudia Antunes corrige no Facebook minha tradução monga! O texto diz: Shoukry said that Egypt's emergency law would be lifted, as the military had communicated, "as soon as the current conditions of protest have been terminated." Claro, meodeos, a lei está em vigor há décadas, as pessoas são presas ao bel-prazer do regime! Eis o que a Wiki diz no trecho sobre o Egito:
Os egípcios vivem sob Lei de Emergência (Lei nº 162, de 1958) desde 1967, com uma pausa de 18 meses em 1980. Imposta durante a guerra árabe-israelense de 1967 e restabelecida após o assassinato do presidente Anwar Sadat, tem sido constantemente prorrogada a cada três anos desde 1981. Os poderes de polícia são ampliados, os direitos constitucionais suspensos e a censura é legalizada. (...) Há 17 mil detidos ilegalmente, e estima-se que 30 mil presos políticos foram executados.
Imperdoável. Uma coisa que eu sabia... O que eu achei quando escrevi, que viria OUTRA lei de emergência? Peço encarecidas desculpas. Então, na entrevista abaixo ele diz a Christiane Amanpour que o Egito continuará a ser forte aliado dos EUA e que manterá o acordo de paz com Israel. Até aí morreu o Neves. Mas disse também que virá, não se sabe quando mas virá, não há prazo definido para a suspensão da "lei de emergência, que virá tão logo as atuais condições de protesto terminem".
"Mas quando?" Amanpour pressionou. "Semana que vem? Ano que vem?"
"Eles ainda não definiram um prazo específico", disse Shoukry.
A "emergency law" permite que agentess do governo prendam qualquer um sem necessidade de acusação.

O diálogo é destacado em matéria de Joshua Miller sobre a entrevista no site do programa da Amanpour na ABC News, This Week, deste domingo. Claro que não é a manchete deles, a manchete ressalta o que é de interesse dos EUA (vale rever aqui o que diz o Stephen Gowans sobre os interesses americanos). Mas a manchete, na minha humirde, é que, encerrados os protestos, tudo voltará à continua na vaca fria: aliança com os EUA/Israel, regime de força com prisões indiscriminadas sem prazo de término. Tomara que eu esteja enganada... [ou seja, é pior do que meu erro mongo me permitiu pensar...]

Observação: Mais tarde, no Face the Nation da CBS, Shoukry disse que as eleições no Egito virão em seis meses. Achei a informação aqui, postada 7 minutos atrás.

Abaixo, o vídeo da entrevista à Amanpour.



Pensei que fosse ligado às Forças Armadas, mas é diplomata de carreira, como se vê aqui (tradução abaixo). O que significa que é da confiança dos militares, serve bem ao regime, e para o regime manter estreitos os laços com os EUA é o principal (ninguém será ingênuo a ponto de achar que os militares não querem mais o bilhão anual de "ajuda" dos EUA). De todo modo, é um acinte que os americanos tenham sabido primeiro que os egípcios da queda do Mubarak.

Sameh Shoukry foi nomeado embaixador do Egito para os Estados Unidos em 24 de setembro de 2008. Tem 59 anos, já trabalhou como representante permanente do Egito na ONU em Genebra (2005-08), foi embaixador na Áustria e representante permanente nas organizações internacionais em Viena (1999-2003). Também foi chefe de gabinete do ministro das Relações Exteriores (2004-05) e secretário de informação e acompanhamento de Hosni Mubarak (1995-99). Diplomata de carreira desde 1976, serviu nas embaixadas do Egito em Londres e Buenos Aires e Consulado do Egito em Nova York. Dirigiu o Departamento de Estados Unidos e Canadá no Ministério das Relações Exteriores (1994-95). É formado em Direito pela Universidade de Ein Shams, casado, dois filhos.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Jazira avança nos detalhes legais

É gritante a diferença da Jazira em relação a todas as outras redes de TV. Tem uma apresentadora, então -- não consigo descobrir o nome dela! --, que é simplesmente genial (e linda!). Ela não dá folga ao entrevistado, vai na ferida: hoje arrasou o porta-voz do Pervez Musharraf, que acaba de ter mandado de prisão decretado pela Justiça do Paquistão pelo assassinato da Benazir Bhutto. Há pouco ela estava analisando as preocupações de puristas que acreditam que Mubarak não renunciou, como determina a Constituição, e sim foi afastado pelos militares, que também detonaram o vice Suleiman, o "xeque al-Tortura", como o chama Robert Fisk. Essa discussão é relevante: o que tivemos foi uma revolução seguida de golpe? Segundo comunicado hoje do Conselho Supremo das Forças Armadas (um perfil dos integrantes aqui), os ministros de Mubarak permanecem até a formação de novo gabinete. Noves fora nada, tudo bem, o Mubarak caiu e isso é o que importa, mas estou louca para conhecer esses detalhes legais e institucionais.

Segundo a Wiki, essa turma da Jazira em inglês veio quase toda de uma sucursal da BBC na Arábia Saudita fechada após ser censurada pelo xeque lá deles (é, os sauditas, aliados preferenciais dos americanos, têm uma bela ditadura a derrubar também!).    

Observação: Muita gente se espanta quando eu falo Jazira. Al Jazeera é a grafia inglesa do árabe al-ǧazīrah, que quer dizer "A Ilha", abreviatura de Pensínsula Arábica. Ou seja, a pronúncia seria "djazira", acho. Não tenho que repetir o artigo "al" nem de usar o "ee", que é como os anglófilos grafam o "i", tenho? Então, essa TV baseada em Doha, no Catar, cujo site conheço desde a invasão do Iraque (nem existia em inglês, só via "as figuras", fazer o quê?!) e acompanho direto há 19 dias, pra mim é Jazira, tá?! Somos íntimas! (As imagens são da Wiki; esta ao lado é o logo da emissora, escolhido pelo dono, o emir do Catar, após concurso.)

Grande Amorim! Viva o diplomata do amor!

Celso Amorim: Uma primeira característica que considero importante destacar é que os protestos que estamos vendo agora são movimentos endógenos. É claro que eles se valem de novas tecnologias e de alguns valores modernos, mas são motivados pela situação interna destes países. O Egito e a Tunísia, cabe assinalar também, não estavam sob sanções por parte do Ocidente. Isso mostra que a posição daqueles que defendem sanções contra o Irã é equivocada. Sanções só reforçam internamente um regime. Uma das expectativas das sanções contra o Irã era atingir a Guarda Revolucionária. Na verdade, só atingem o povo. O Iraque foi submetido a sanções durante anos e Saddam só ficava mais forte. Não havia, repito, sanções contra a Tunísia e o Egito, países considerados amigos do Ocidente e aliados inclusive na guerra contra o terrorismo, implementada pelos Estados Unidos.

Íntegra na Carta Maior

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

O ditador já era! Que emoção, hein? E agora?

Tahrir/
eu fiz tudo pra você sair daqui/
vai embora e vê se leva o Suleimão/
o que eu, o que eu/ 
quero agora é eleição!

(homenagem do Marco Aurélio ao povo egípcio!)

Marco Longari/AFP/Getty/Boston Globe
***
Claro que o que eu acho tem importância zero, mas realmente acho que não se deve apostar um tostão furado na "modernidade" ou no "não fundamentalismo" dessa Irmandade ou Fraternidade Muçulmana. A toda hora leio e ouço gente jogando confeti no grupo, que no poder não promoveria um Estado islâmico e tal. Como? O slogan deles é "O Islã é a solução"! Reúne muitos cientistas e intelectuais, mas em questões de gênero é tão conservador quanto qualquer outro grupo islâmico. Em 2005, conquistou 88 cadeiras no Parlamento numa campanha fulminante. Foi perseguido e proibido, mas vinha sendo tolerado. Sei não. Tomara que a maioria egípcia prefira o Estado secular.

Mas @ALuizCosta, da Carta Capital, sugere a leitura de um texto interessante sobre o assunto, que me deixou muito otimista: "Islamistas e a revolução egípcia", de Hossam Tammam, editor de Islam Online e ele mesmo ex-irmão da Fraternidade. Alguns trechos:

Adel Hana/AP/Boston Globe
Qualquer discussão sobre o status dos islamistas num novo Egito faz pouco sentido porque se baseia nas mesmas informações usadas para estudar os movimentos religiosos, mas ignora o fato de que o Egito assiste a uma revolução que destruiu muitas das antigas características da cena religiosa.

A revolução não foi apenas contra o autocrático, repressor e corrupto regime egípcio, fincado numa aliança de dinheiro, poder e corrupção. Também foi dirigida ao establishment religioso oficial e seu discurso de apoio direto ou indireto a esse regime.

O establishment religioso oficial -- tanto islâmico quanto cristão -- foi o grande perdedor na revolução. Al-Azhar [o centro, o poder islâmico] chegou tarde para enfrentar a situação. Ahmed al-Tayyib, o grande xeque, esperou tempo demais antes de dar declarações que partiram de seu inequívoco apoio ao regime. Mas estas declarações não atenderam às expectativas da revolução. Como instituição religiosa oficial totalmente ligada ao Estado -- estrutural e financeiramente --, Al-Azhar, não mudou muito seu discurso depois da revolução.

Al-Azhar pediu calma quando a revolução atingiu o clímax. Repudiu os egípcios "em confronto" -- ignorando que o que aconteceu foi um ataque vergonhoso orquestrado pelo regime, com ajuda de criminosos e assassinos. Al-Azhar emitiu declarações vagas sobre a necessidade de acabar com a revolução, sem qualquer menção ao regime. O máximo a que chegou Al-Azhar foi convidar os jovens ativistas ao diálogo. A ponto de o porta-voz de Al-Azhar, Mohammed al-Rifa'a Tahtawi, renunciar ao cargo e unir-se aos manifestantes; vários clérigos, em seus trajes oficiais, também. (...)

A posição da mais importante instituição cristã, a igreja copta, foi de gritante apoio ao regime. O papa Shenouda condenou os protestos de 25 de janeiro e instou os coptas a não participarem. Manteve esta posição ao longo da revolução, declarando abertamente seu apoio a Mubarak. Muitos cristãos foram para as ruas, recusando-se a acatar as diretivas do papa. (...) A participação dos cristãos, especialmente os jovens cristãos, nestes protestos constitui outra revolução -- contra a igreja que usou discurso sectário para tirar os coptas da rua e reuni-los em favor de Mubarak, porque ele oferece garantias à comunidade cristã. (...)

Um dos paradoxos da revolução egípcia é que o regime que proibira recentemente a TV dos salafistas [ramo sunita fundamentalista islâmico], acusando-os de incitar conflitos religiosos sectários, inverteu a posição: xeques e seus empregados salafistas foram usados na guerra contra a revolução. Figuras como Mohamed Hassan, Mahmoud al-Masri, Mostafa al-Adawi apareceram na televisão estatal e nos canais privados fiéis ao regime. Eles pediram o fim dos protestos, usando argumentos como segurança nacional e perigo de sedição. Alguns chegaram mesmo a questionar o patriotismo dos manifestantes, alegando tratar-se de conspiração americano-sionista ou afinada com a revolução iraniana. As declarações manipuladas de líderes iranianos em apoio à revolta egípcia contribuiu ainda mais. (...)

***

Muito bom, não? Tammam (este aí do boneco) ressalva que esta generalização toda sobre os salafistas não impede que vozes discordantes tenham sido ouvidas nestes 18 dias de protesto -- inclusive de integrantes da Fraternidade Muçulmana, ela, sempre ela. Que está com o regime e também nas ruas, pronta para conquistar o que for possível. Se um ex-irmão desconfia, eu então mantenho meu olho bem aberto.

Minha próxima tarefa é arrumar alguém que conheça de fato os milicos egípcios. Aí traduzo e faço uma boa postejada aqui. Até agora nada achei que preste.

***
Por falar em revolução egípcia, já tem patrulhinhas no Twitter dizendo que só chamará de revolução depois que os resultados revolucionários ficarem claros. Ah, é? Então, como a Revolução Francesa deu no Terror e depois com os burros n'água não foi revolução? E a Revolução de Outubro, como acabou no imperialismo soviético, não foi? Ah, pajalsta! Vai catar coquinho!

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Que tal?

Até na marca as diferenças básicas.


Mubarak caiu! #Fora Suleiman!!!!

Adianta tirar um ditador pra botar no lugar um espião torturador do mesmíssimo regime?? #ForaSuleiman!

Armadas e fora da lei

Que beleza ver esse texto, ainda mais vindo do José Dirceu, que tantos no PIG e nas próprias Forças Armadas quiseram calar. Pena que ele não fale também do desrespeito à Constituição e aos mais básicos princípios democráticos por parte desses grupos fascistas de milicos viúvos da ditadura; não se pode deixar que a serpente cresça, amamente jovens de cabeça vazia e acabe estimulando rupturas graves. Estão esperando o que, sangue escorrendo?  

Mas, de fato, é essencial destacar o absurdo das seguidas mortes em treinamento devido a esses métodos brucutus, especialmente porque protegidos pela teia jurídica da impunidade. E as famílias, coitadas, enredadas, sem reação!
   
***
As Forças Armadas e o respeito à Constituição

Publicado em 10-Fev-2011 no Blog do Zé

José Dirceu

Até quando o governo, o Congresso Nacional e o Ministério Público Federal vão permitir que as Forças Armadas repetidamente se comportem como se fossem um poder à parte da ordem constitucional do país? Até quando elas se comportarão como se fossem, em muitos casos, um governo e um Estado à parte, seja pela existência de leis e regulamentos totalmente inconstitucionais, seja pela violação dos mais elementares direitos dos seus praças e oficiais dentro das próprias corporações militares?

O que tem acontecido não são apenas os continuados “acidentes” em treinamentos, com a morte de soldados e suboficiais. Como é o caso, agora, da aluna do curso de 3º sargento, Daiana Pereira Fernandes, que morreu após passar mal em treinamentos no campo de Gericinó, na Vila Militar,  subúrbio do Rio. O que tem acontecido é a violação de direitos constitucionais - repito - básicos.

Lamentável por si só a morte da aluna e as precedentes, além dos incidentes constantes que não atingem essa gravidade. Outro, dos piores aspectos nessa situação, é que foi criada toda uma estrutura "jurídica e administrativa” para violar estes direitos constitucionais. Criou-se e ainda se mantém uma justiça militar que persegue os que se opõem a caducos e ultrapassados regulamentos disciplinares e ao entulho autoritário que sobreviveu à redemocratização do país.

Espero que o PT e o Congresso Nacional convoquem as famílias dos soldados mortos em treinamentos, as dos que são expulsos como desertores por exigirem o respeito a seus direitos e o cumprimento da Constituição, e as dos que são obrigados a pedir baixa por lutarem por mudanças, ou por criticarem esta estrutura legal e administrativa, herança da ditadura.

Estas mudanças democráticas sugeridas não têm nada a ver com a subversão do príncipio de hierarquia e disciplina que as Forças Armadas exigem em todo mundo, condição para a sua própria existência. Muito menos representam ameaça à função constitucional dos militares, ou desprezo e negação de seu papel e de sua importância.

Elas têm a ver fundamentalmente com a Constituição e com os direitos básicos nela inscritos solenemente pela Assembléia Nacional Constituinte (de 1988) e impositivos para todos sem exceção.

Enfim, um pouco de bom senso...

Ontem, entrei no Globo e estava lá a notícia: "Com 3,5 mil casos neste ano, Rio teme mais uma epidemia de dengue". Como sempre, fiquei desgostosa com a ameaça/certeza e com essa injustificável forma de grafar 3.500 que tomou contra do PIG. Hoje, encontro a mesma notícia assim, como na imagem. O que terá acontecido, baixou lá o caboco sensatez? Não há um motivozinho sequer que justifique essa grafia. Tem até 2 toques a mais (incluindo o espaço) que 3.500. E confunde, não sei o que quer dizer, 3,5 mil!

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

O último comunista e a democracia do lucro

Quem conheceu a bloga antiga (link não funciona no Chrome...) sabe que o jornalista canadense Stephen Gowans, o último comunista da América do Norte (bem, tiremos o México da conta), era meu guru desde o início do primeiro governo Bush. Com os textos dele acompanhamos a invasão do Iraque, em 2003, conhecendo tintim por tintim a doutrina Bush/Rowe de dominação do mundo, que lá chamávamos de Pinky & The Brain. Ele ainda é meu guru, menos quando defende o Mugabe e outros tiranos ditos de esquerda (tem lá seus motivos, o primeiro é a dita coerência bolchevique, hahaha). Bem, os protestos no Egito trazem Gowans de volta a seus melhores momentos na ínclita missão de deixar pelados os reais interesses dos Estados Unidos no planeta.

O blog dele, What's left, um dos melhores do mundo na minha humirde, é simplesmente imperdível. What's left é um nome dúbio em inglês, "trocadilhado", reduzido de What's left in suburbia, do qual só restam os arquivos. A descrição antiga: "Política progressista de e para a classe média canadense". Em 2002, a capa era um aviso gigantesco: "Se você entrou aqui entrou também para a lista negra do FBI, que monitora este site." Adorei e assino o mailing dele desde então. Esta foto é a única de Gowans na internet, pelo que pude achar, tirada de uma rara entrevista à TV.

Então, saboreiem o jeito Stephen Gowans de desmontar o NY Times, seu hobby favorito (o original de Scott Shane está aqui).

***

Perigosamente perto da verdade sobre a política externa dos EUA

Stephen Gowans

Arte de Sara Rahbar: "God bless America Flag"
Começou promissor. No fim de semana, Scott Shane, do New York Times,  perguntou por que "o drama que se desenrola no Cairo" parece "tão familiar" se "os Estados Unidos, como tantos presidentes disseram em muitos discursos, são os campeões mundiais em democracia".

Shane não chegou à conclusão óbvia, de que os Estados Unidos não são os campeões mundiais em democracia. Mas chegou perto.

Mencionou alguns dos exemplos mais flagrantes do apoio de Washington a ditadores: Batista em Cuba; Mahammed Reza Pahlavi no Irã; Ferdinand Marcos nas Filipinas (cuja "adesão aos princípios democráticos e ao processo democrático" o então vice-presidente dos EUA George H.W. Bush descaradamente elogiou). "A lista poderia ser estendida", Shane admitiu, "para pelo menos uma vintena de déspotas" apenas a partir da Segunda Guerra Mundial.

Raramente o New York Times reconhece a longa história de apoio dos Estados Unidos a ditadores, todos de direita e não poucos fascistas. Pelo contrário, o jornal reforça o discurso de que a política externa do país seja guiada pelos valores de disseminação da democracia. Talvez a mudança se dê porque não há mais como os Estados Unidos continuarem a apoiar seu paladino de três décadas no Egito, Hosni Mubarak - e a continuação do regime com seu herdeiro, Omar Suleiman - e ainda recorrer à retórica pró-democracia para justificar tal apoio (embora a fala da secretária de Estado Hillary Clinton sugerindo que Suleiman supervisione a transição à democracia seja uma tentativa).

Com a hipocrisia americana exposta, o New York Times teve de fazer uma concessão à verdade -- pelo menos parcial.

Shane admite que os EUA têm valores e interesses, e as circunstâncias muitas vezes conspiram para que os dois se cruzem. Mas isso é o máximo a que ele chega. Admitindo que os EUA têm "interesses" que não se alinhem sempre aos "valores" ele se aproxima perigosamente da verdade. Ok, mas quais são os interesses? R. Palme Dutt observou certa vez que a idéia de que os países têm interesses em outros países é uma abominação da geografia e da democracia. Como poderiam os EUA ter interesses no Egito?

Têm os egípcios interesses nos EUA que precisem ser reforçados com o envio de milhões de dólares a um ditador para manter os interesses dos cidadãos americanos subordinados a seus próprios? Se sim, os americanos deveriam chamar isso de imperialismo, em vez de ausência de valores ou interesses a alinhar. Se os egípcios dizem que realmente valorizam a democracia, mas outras considerações falam mais alto, os americanos deveriam responder que o compromisso do Egito com a democracia é retórico, as outras considerações é que realmente importam.

De acordo com Shane, Mubarak tem servido aos interesses dos EUA como "um forte aliado contra o expansionismo soviético", mantendo "paz crítica com Israel", como "um baluarte contra o radicalismo islâmico" e na promoção de "um Egito comercial e turístico amigável". Mark Landler, colega de Shane no Times, resume desta forma: o regime de Mubarak defende os interesses estratégicos e comerciais dos EUA.

Os interesses comerciais são, naturalmente, os interesses comerciais e, mais especificamente, os interesses das grandes corporações. Não representam em muitos casos nem direta nem indiretamente os interesses da maioria dos cidadãos americanos. Um callcenter montado no Egito por empresa dos EUA, para tirar proveito dos baixos salários, favorece os ricos acionistas da empresa, e muitos deles nem americanos são, pressiona os salários nos EUA e exporta empregos.

Em outras palavras, os interesses comerciais que Mubarak e outros autocratas apoiados pelos EUA em nome da proteção dos interesses dos Estados Unidos não são os interesses da maioria dos cidadãos americanos, mas de um estrato superior de investidores, banqueiros e acionistas abastados cuja única lealdade é com seu próprio rabo. Os interesses dos americanos médios dificilmente importam. De fato, em muitos casos, seus interesses são diametralmente opostos.

E quem está pagando a conta dos bilhões de dólares em ajuda militar ao regime de Mubarak? É o americano médio, não os beneficiários diretos da política externa dos EUA.

É pior. Os idealizadores da política externa dos EUA não se opunham ao que chamavam de "expansionismo soviético" porque valorizavam a "democracia", mas porque valorizavam a exploração quase ilimitada do trabalho, que a expansão da influência soviética impedia. O problema com o radicalismo islâmico não é porque ele ofenda os valores ocidentais (mesmo que até ofenda), mas porque inspira regimes que colocam os interesses nacionais acima das companhias de petróleo dos EUA. A paz entre o mundo árabe e Israel é desejável porque Israel é encarregada por Washington de atuar como agente preventivo de um pan-nacionalismo árabe que poderia levar os países ricos em petróleo a refugar ante o domínio dos interesses petrolíferos americanos.

Então, que valores dos EUA? Querem que acreditemos que os idealizadores da política externa americana valorizam a democracia liberal, mesmo que os interesses no lucro venham antes. Mas se quando colidem os grandes interesses empresariais prevalecem sobre a democracia liberal, o que Washington realmente valoriza -- se valor tiver aqui algum significado -- é o lucro.

Assim: digo que valorizo a literatura de valor, mas ponho os livros de lado quando alguém liga a TV. E nunca perco um episódio de Cribs. Assim, onde estão meus valores realmente?

O abraço à democracia liberal apenas onde não entre em conflito com a busca do lucro aplica-se igualmente à esfera doméstica. Atesta isso a presteza dos governantes americanos em jogar no lixo as liberdades civis nos anos do "Perigo Vermelho" após a Revolução Bolchevique -- quando os capitalistas se encolheram diante da idéia da revolução socialista se espalhando pelo mundo.

Quanto à democracia que Washington está disposta a abraçar, parece boa no papel, mas é curta na prática. A democracia de Washington não é a democracia em seu sentido original, como a de uma classe anteriormente oprimida (a maioria), mas a democracia da classe dominante, os ricos capitalistas. Secretários de gabinete e editorialistas exaltam essa democracia que parece proporcionar oportunidades iguais a todos para influenciar o processo político, mas a realidade é que os ricos usam o dinheiro para dominar o processo por meio do lobby, do financiamento dos partidos políticos e candidatos, da propriedade dos meios de comunicação e o posicionamento de seus representantes em cargos-chave no Estado.

Quantos funcionários do governo Obama tinham cargos importantes em empresas e a eles retornarão quando sua estada em Washington terminar, substituídos por outros luminares corporativos que viajam nos mesmos círculos, sentam-se nas mesmas mesas diretoras, cujos filhos vão às mesmas escolas e se casam entre si? A arte da política na democracia capitalista, parafraseando um político-chave do Partido Trabalhista do passado, é permitir que os ricos nos convençam a usar nossos votos para mantê-los no poder.

Democracia, portanto, não é um valor central nos EUA -- e não é por duas razões. Primeiro, a democracia que Washington abraça não é democracia em nenhum sentido substancial, é antes uma plutocracia com pompa democrática. Por outro lado, o real valor central dos EUA é o lucro. Mesmo essa democracia dos ricos é posta de lado quando, por qualquer motivo, os interesses do big business não possam ser acomodados adequadamente -- isto é, sempre que alguma expressão da democracia real ameace romper as limitações do sistema.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Estado Palestino, revolta popular: Lula no FSM

Ainda bem! 



Tudo da Carta Maior!


Dacar, Senegal – O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou nesta segunda-feira (7) que as nações africanas deveriam apostar no desenvolvimento agrícola como forma de garantir soberania alimentar e gerar riquezas por meio da exportação dos produtos. Em sua primeira viagem internacional após deixar a presidência do Brasil, Lula veio ao Senegal para participar do Fórum Social Mundial em mesa de debates sobre "A África na geopolítica mundial", na qual falou ao lado do presidente senegalês, Abdoulaye Wade.

Ao longo de sua exposição, bastante aplaudida por dezenas de ativistas brasileiros, Lula defendeu a criação de um Estado Palestino, apoiou a revolta popular no Egito, criticou as potências econômicas e o neoliberalismo e exaltou os resultados de seus governos (2003-2010), sobretudo no que diz respeito ao combate à miséria. Após voltar ao Brasil, o ex-mandatário brasileiro fará outra viagem internacional neste mês: a convite, visitará o presidente venezuelano, Hugo Chávez, que enfrentará eleições em 2012.

Em sua fala no Fórum, Lula afirmou que as nações africanas precisam cortar os laços de dependência que ainda mantêm com as ex-metrópoles. Para isso, a questão alimentar seria essencial. "Não há soberania efetiva sem segurança alimentar", disse. Para o ex-presidente, a experiência brasileira na área agrícola, ainda que não seja possível a "transposição de modelos", revela que é viável a expansão da produção de alimentos em terras pouco valorizadas. "Até os anos 70 o cerrado brasileiro era considerado um deserto verde, sem condições de sustentar uma agricultura produtiva", lembrou Lula. Mas, graças à atuação do Estado no fomento à pesquisa, essas regiões "tornaram-se grandes fornecedoras de alimentos para o mundo e viabilizou-se a política de erradicação da fome em nosso país". 

Para ele, as savanas africanas poderiam repetir a história do cerrado no continente. Segundo Lula, as savanas se espalham por mais de 25 países da África e, com investimento em pesquisa, seria possível desenvolver seu potencial agrícola. Hoje, apenas 10% da área das savanas possuem cultivos agrícolas. Na opinião do brasileiro, a elevação desse índice ajudaria a reduzir o drama da fome no continente, que poderia se tornar um grande fornecedor de alimentos no mundo. "Se o território dos países ricos está escasso para produzir alimentos, se há mais africanos, chineses, indianos, coreanos e latinos comendo, onde há terra para produzir alimento?", questionou, para em seguida responder: "A África e a América Latina podem e devem suprir os alimentos que são um produto essencial para a vida humana".

Lula criticou ainda os subsídios agrícolas dos países ricos e a atual escalada de preços das commodities no mundo, afirmando que a culpa é da especulação. "Não há nenhuma explicação para o preço do petróleo superar 100 dólares", disse. 

Em ataque direto à ciranda financeira, o ex-mandatário lembrou que, apesar de sempre faltarem recursos para programas de erradicação da fome, sobraram fundos para "resgatar bancos e instituições financeiras na recente crise financeira internacional". 

Para o brasileiro, os países africanos precisam alterar os modelos de cooperação internacional vigentes e não mais aceitar a imposição de modelos externos.

Revoltas populares

O ex-presidente brasileiro registrou pleno apoio às revoltas populares que ocorrem no Norte da África e no Oriente Médio – segundo ele, causadas pela pobreza, pela dominação de tiranos e pela submissão das políticas internas à agenda das grandes potências. E avaliou que a criação de uma cultura de paz – um dos temas históricos do Fórum Social Mundial – não dependeria apenas do fim do comércio de armas, mas sobretudo do combate à fome, à desigualdade e ao desemprego.

Além de criticar a intolerância étnica, cultural e religiosa, Lula mais uma vez atacou o modus operandi dos países ricos, em especial a política da guerra preventiva dos Estados Unidos. Disse que, sem ingerências externas, a África teria mais chances de acelerar seu desenvolvimento econômico e social. "Nos 29 países que visitei como presidente, comprovei a vitalidade deste continente que aqui reafirma sua diversidade ética e cultural", disse. 

Para ele, a inclusão econômica de milhões de africanos pode ser uma estratégia para superação mais rápida da crise financeira internacional – assim como a expansão do mercado interno brasileiro evitou a intensificação dos problemas no país.

Ao terminar sua fala, Lula afirmou que o impasse em 2008 sobre as negociações comerciais de Doha, conduzidas pela Organização Mundial do Comércio, não foi resolvido até hoje por obra dos Estados Unidos, que se viam em eleições internas. Lula defendeu o engajamento dos ativistas nesse processo de negociações, bastante contestado por organizações que discutem o tema agrícola no Fórum Social Mundial.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Meet miss South Carolina. Ops, Sarah Palin!

Achei isso em The Nation. Mal pude acreditar. Deixo o original em inglês embaixo, para que traduzam melhor do que eu.

Pausa cômica: Sarah Palin sobre o Egito

Robert Dreyfuss

Sarah Palin, em seus primeiros comentários sobre o Egito, conseguiu fazer sentido nenhum. Nenhum. Gostei especialmente de seu "não, não real entusiasmada com o que é, isso que está sendo feito" [em DC]." Aqui está a citação completa, que soa como se escrita por Miss Carolina do Sul, falando a todos os "americanos dos EUA": "E ninguém ainda, ninguém ainda explicou ao público americano o que eles sabem, e certamente eles sabem mais do que o resto de nós sabemos quem é que vai tomar o lugar de Mubarak e não, não, não real entusiasmada com o que é, isso que está sendo feito em nível nacional e no DC em relação a compreeder toda a situação lá no Egito. E nessas áreas, que são tão voláteis agora, porque obviamente não é apenas o Egito, mas os outros países também, onde estamos vendo revoltas, sabemos que agora mais do que nunca precisamos de força e mente sã lá na Casa Branca. Precisamos saber o que é isso que a América defende assim sabemos com quem é que esta América vai estar. E, nós não temos todas essas informações ainda".
Sarah Palin, in her first comments on Egypt, managed to make no sense at all. None. I especially liked her “not, not real enthused about what it is that  that’s being done [in DC].” Here’s the full quote, which sounds like it was written by Miss South Carolina, speaking for all “U.S. Americans”: “And nobody yet has, nobody yet has explained to the American public what they know, and surely they know more than the rest of us know who it is who will be taking the place of Mubarak and no, not, not real enthused about what it is that that’s being done on a national level and from D.C. in regards to understanding all the situation there in Egypt. And, in these areas that are so volatile right now, because obviously it’s not just Egypt but the other countries too where we are seeing uprisings, we know that now more than ever, we need strength and sound mind there in the White House. We need to know what it is that America stands for so we know who it is that America will stand with. And, we do not have all that information yet.” (Robert Dreyfuss, jornalista investigativo, é editor colaborador da Nation em Alexandria, Virginia)
***

MadiaMatters, de onde tirei a imagem, também trata disso aqui.

Zoando o Ministério da Saúde, que ele merece!

O MINISTÉRIO DA SAÚDE ADVERTE

ENXUGUE BEM A CINTURA DEPOIS 
DO BANHO, POIS O MOSQUITO 
DA DENGUE SE REPRODUZ
EM PNEUS MOLHADOS

A piadinha acima foi enviada pela Vera, mas eu zoei a sério o ministério no #TeiaLivre: "Não, você não tem culpa da dengue!":
Um dos maiores avanços na filosofia das políticas públicas foi o reconhecimento de que responsabilizar o paciente pela doença é o atraso do atraso. As modernas políticas públicas – e o Brasil já está neste mundo, inclusive o Ministério da Saúde, basta ver o Inca, que adota há tempos práticas integrais da abordagem do câncer realmente transformadoras – responsabilizam, na verdade, o governo. Quem mais?

Nhónhóóóóóóóó... nhóóóóóóóóóóó...

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Para rir com o Lênin. Rir com o Lênin???

Pois é, acho que ninguém jamais riu com o Lênin (olhem só, de coletinho e tudo!). Mas o Marco Aurélio voltou (o meu filho, não o ministro!) Ainda bem, não aguentava mais o meu disco arranhando na vitrola, só mesmo o Marco pra mudar a música. E me mostrou essas 10 tiras que abalaram o mundo, do Laerte (bem, na verdade são sete, veja a explicação na legenda da última tira). Ri demais! Estou até ouvindo as gargalhadas dos trotskistas. As dos stalinistas então... (fui comuna, aguentei aquela barra toda, posso sacanear quanto quiser, viu, patrulha?)







...e assim terminava essa série, interrompida. Por quê?
Não sei. Na verdade a idéia primitiva era pra uma história grande,
de várias páginas, em torno de memórias da minha militância no PCB.
Daí caiu nessa coisa de suruba, acabei deixando de lado (25fev09).
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