quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Castelos esfarelados

Tenho acompanhado com extremo interesse as matérias sobre o assassinato em 20 de janeiro de Mahmoud al-Mabhouh, um dos chefões do Hamas, num hotel de luxo em Dubai -- um plot digno dos mais excitantes filmes de espionagem, os meus favoritos. As melhores estão no Haaretz que, apesar de sustentar a "inocência" de Israel no episódio, reúne as informações da imprensa europeia e americana, interessadas no escândalo porque suspeita-se (hehehe) da colaboração de muitos governos (EUA, Reino Unido, França, Irlanda, Alemanha, Áustria) com os israelenses na eliminação de inimigos de Israel. Coisa que livros e filmes sempre mostraram, mas os governos negam.

Isso é que é interessante: em vez de esconder os detalhes, como a maioria dos governos faz, Dubai expôs nomes, fotos, vídeos, países de origem, trajetos de chegada a e partida de Dubai dos 11 suspeitos do assassinato, enfim, abriu o jogo de tal forma que esses países estão doidinhos negando tudo. Cidadãos aparentemente inocentes cujos nomes e passaportes foram usados pelos agentes-assassinos estão indignados, negando que tenham estado em Dubai! Crazy! A Irlanda garante que os 3 passaportes irlandeses usados são falsos. Mas uma fonte de Robert Fisk (ver abaixo) diz que os documentos britânicos são legítimos...

Pelo jeito, o erro do Mossad e aliados, desta vez, foi cometer o crime num país que não é inimigo do Hamas. Dubai não quer nem saber, dedura tudo e provoca um tremendo bundalelê na seara secreta dos "alidos". E haja cara de pau pra negar tudo.

***

ASSASSINATO DO LÍDER DO HAMAS
Explicações inglesas viciadas. É hora de falar claro
Robert Fisk, The Independent, 18/2/2010

Tradução: Caia Fittipaldi
    Colusão [■ substantivo feminino. Rubrica: termo jurídico. 1) concerto entre partes para enganar e prejudicar terceiros; conluio; 1.1) dolo das partes que litigam, simuladamente ou não, com o fim de enganar o juiz ou em prejuízo de terceiros (Dicionário Houaiss, em http://houaiss.uol.com.br/busca.jhtm?verbete=colus%E3o&stype=k&x=15&y=13)]. A palavra é essa. Colusão.
Os Emirados Árabes Unidos suspeitam – atenção: até agora, nada está provado – que a “colaboração para segurança” entre Europa e Israel ultrapassou os limites da legalidade, agora que pode ter acontecido de passaportes britânicos (e de outros países da União Europeia) terem sido usados para mandar agentes israelenses ao Golfo com a tarefa de matar inimigos de Israel.

Ontem à tarde, às 15h49 (horário de Beirute; 13h49 em Londres), meu telefone libanês soou.

Era uma fonte – impecável, conheço-o bem, fala com a autoridade que sei que tem em Abu Dhabi –, para dizer que “os passaportes britânicos são autênticos. Não são falsificações. Há os hologramas com o selo biométrico. Não são falsificações. Os nomes lá estão. E, se o holograma ou o selo biométrico foram falsificados, sabe-se de onde saíram.”

A voz – conheço bem o homem e a voz – quer falar. “Há 18 envolvidos no assassinato de Mahmoud al-Mabhouh do Hamás. Além dos onze já conhecidos, há também dois palestinos que estão sendo interrogados; outros quatro e uma mulher. A mulher fez parte do grupo que vigiou o lobby do hotel.”

Duas horas depois, chega um SMS ao meu telefone de Beirute, de Abu Dhabi, capital dos Emirados Árabes Unidos. É a mesma fonte.

“HÁ MAIS UMA COISA,” diz a mensagem em letras maiúsculas, e continua em letras minúsculas: “A sala de comando da operação foi montada na Austria (sic, de fato, tudo é sic, nesse relatório)... o que significa que, quando estavam aqui, os suspeitos não falavam uns com os outros, mas através da sala de comando, em linhas separadas para não serem detectados e para não se conhecerem ou ligarem-se uns aos outros (...) mas foram detectados e identificados OK??” “OK?” pergunto eu!

Minha fonte está ao mesmo tempo zangado e ansioso; e insiste: “Mandamos detalhes dos 11 nomes para a Interpol. A Interpol fez circular as informações em 188 países – mas por que os britânicos não alertaram as demais nações de que esses nomes têm passaportes ingleses?” E muito mais estava chegando.

“Identificamos cinco cartões de crédito em nome dessas pessoas, todos emitidos nos EUA”. O homem não deu as nacionalidades dos outros cinco cidadãos da União Europeia – de fato, há duas mulheres envolvidas no assassinato de Mabhouh. Disse que há países da UE que colaboram com os Emirados Árabes Unidos, entre os quais a Grã-Bretanha. “Mas  nenhum dos países com os quais já falamos notificou a Interpol sobre os passaportes. Por que não?”

A fonte insistiu que um dos nomes num dos passaportes – o nome de um homem que nega saber sobre o uso do passaporte – viajou de fato com ele à Ásia (provavelmente à Indonésia) e a países da UE durante o ano passado. Os Emirados Árabes têm prova de que um cidadão norte-americano entrou nos EUA em junho de 2006 com passaporte britânico emitido em nome de um cidadão britânico que já estava preso nos Emirados. Os Emirados lembram também que o passaporte de um agente israelense enviado à Jordânia para matar um líder do Hamás era genuíno passaporte canadense emitido para um canadense-israelense de dupla nacionalidade.

As agências de inteligência – que, na humilde opinião desse correspondente são quase sempre bem pouco inteligentes – usam há muitos anos passaportes falsificados. Oliver North e Robert McFarlane viajaram ao Irã (para tentar a libertação dos reféns norte-americanos no Líbano), usando passaportes que haviam sido roubados da embaixada irlandesa em Atenas.

Mas as novas informações que chegam dos Emirados Árabes Unidos assustarão alguns governos europeus e podem deixá-los sem ar. Em todos os casos, melhor que tenham respostas na ponta da língua para as questões que surgirão. Os serviços de inteligência –árabes, israelenses, europeus ou norte-americanos – sempre têm atitude de extrema arrogância em relação àqueles dos quais querem manter-se escondidos. Assim sendo, como os árabes conseguirão investigar a participação do Mossad nesse atentado? Só o tempo dirá. Veremos.

Colusão é palavra que os árabes entendem bem. Faz lembrar a guerra de Suez em 1956, quando Grã-Bretanha e França cooperaram com Israel para invadir o Egito. Londres e Paris sempre negaram participação no golpe. Mentiram e mentem.

Mas para um país do Golfo Árabe que suspeite que seus ex-senhores (que suspeite dos britânicos, para falar bem claro) estejam envolvidos no assassinato de alto representante do Hamás e hóspede do Estado, a coisa pode ter ultrapassado os limites do suportável. E há muito mais nessa história, que logo virá à tona. Agora, esperemos para ver que resposta aparecerá, se aparecer, da Europa.

4 comentários:

sunny disse...

Tudo bem que deve ter sido publicado na edição do dia 18/02, mas o "nosso jornal favorito" - que deu uma página hoje sobre o caso - vai publicar? Eles têm os direitos do The Independent.

mari disse...

ahhh, o pasquim deu??? incrível!

Vera Silva disse...

Penso que só me surpreenderei, quando a água começar a "cair para cima".

sunny disse...

Como eu imaginava, não deu. E minimizou o assunto.

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