quinta-feira, 24 de março de 2011

Adeus, diplomacia do amor!

Protestos em Teerã (14/2/2001, Haaretz/AP)
O Brasil, como se esperava, votou hoje contra o Irã -- ou seja, com os Estados Unidos -- no Conselho de Direitos Humanos da ONU pela instituição de relator especial para investigar violações. Celso Amorim deu entrevista ontem à Claudia Antunes, da Folha, e avisou: condenar é abrir mão do diálogo. E se vai ter de novo investigador no Irã (o último foi expulso em 1996) deveria ter também em Guantánamo, na Europa que esmaga imigrantes. Perfeito! Então, acho que isso indica mudança, sim, em nossa política externa. 

Na sessão, 22 países votaram a favor: Argentina, Bélgica, Brasil, Chile, França, Guatemala, Hungria, Japão, Maldivas, México, Noruega, Polônia, República da Moldávia, Coreia do Sul, Senegal, Eslováquia, Espanha, Suíça, Ucrânia, Reino Unido e Irlanda do Norte, Estados Unidos e Zâmbia. Segundo a AFP, 14 países se abstiveram (Barein, Burkina Faso, Camarões, Djibouti, Gabão, Gana, Jordânia, Malásia, Maurício, Nigéria, Arábia Saudita, Tailândia, Uganda e Uruguai), enquanto China, Cuba, Bangladesh, Equador, Mauritânia, Rússia e Paquistão votaram contra. Reconheço que não estaríamos em companhia muito fácil de engolir nesse tema, mas em algum grupo estamos à vontade??? Já tem leitor lá na Folha chamando nosso histórico de votações pró-Irã de "atos infantis e estúpidos", num absoluto desconhecimento do significado de tais gestos. 

Adeus, diplomacia do amor e da inclusão, adeus abraço ao mundo, seja torto ou direito. 

Seja mal vinda, diplomacia da condenação! Seja mal vindo, alinhamento aos EUA! 

Vejam trecho da matéria da Folha sobre a votação:
O Brasil votou nesta quinta-feira a favor da criação de um relator especial para investigar as violações de direitos humanos no Irã, um voto que contraria seu histórico de dez anos de votos favoráveis ao país persa. O Brasil foi um dos 20 países a votar a favor da proposta do Conselho de Direitos Humanos da ONU, segundo confirmou o Ministério de Relações Exteriores à Folha.com. A criação de um relator especial não é uma condenação direta ao Irã, mas é um dos maiores gestos que o órgão pode tomar para pressionar o governo de um país -- com exceção da suspensão.
A diplomacia brasileira justificou seu voto dizendo ainda que o Irã não tem colaborado com a comunidade internacional, como antecipado pela Folha, no começo do mês. O país alega ainda que "a presente resolução é reflexo de uma avaliação compartilhada de que a situação dos direitos humanos no Irã merece a atenção do conselho".
Abaixo, trecho da entrevista com o Amorim (que curiosamente e erradamente, diga-se, na home não está linkada à matéria, somente na editoria Mundo. Amorim morreu mesmo para estes ingratos).
O Brasil parece disposto a votar no Conselho de Direitos Humanos pelo envio de um relator especial ao Irã. O sr. também votaria?
Provavelmente não. Se quisermos ser absolutamente coerentes tem que mandar um relator especial para o Irã, outro para Guantánamo, outro para ver a situação dos imigrantes na Europa. Se você for agir dessa maneira, eu até poderia ser a favor, mas acontece que não é assim. Quando fui ministro [do Exterior] do Itamar Franco, fomos a Cuba e eu obtive da liderança cubana um convite para [a visita] do alto comissário de Direitos Humanos [da ONU], que foi muito positiva até o episódio da avioneta [do grupo cubano-americano Irmãos para o Resgate, derrubada ao sobrevoar território cubano]. Mas eles nunca aceitariam o envio de um relator especial, porque achavam que o objetivo era indigitar Cuba. Quando nomeia um relator] você está cortando qualquer possibilidade de diálogo. As pessoas acham que sobre cada ação há apenas uma decisão moral. Não é, a decisão é também política, não no sentido de agir em interesse próprio, mas de saber se o resultado será o que você deseja.
Todo mundo criticou o presidente Lula, mas se há alguma pessoa que teve influência na não execução da Sakineh [Ashtiani, a iraniana condenada à morte por apedrejamento] foi ele. Outro dia estou no aeroporto e vem o presidente da comunidade Baha'i me agradecer, porque temia que eles [os sete líderes da religião presos no Irã] fossem condenados à morte e não foram. Quando nós fizemos essa gestão, de maneira forte, o Irã se irritou.
Eu também não condeno a ação americana. Nossa abordagem é diferente, mas acho até que talvez não seja mal que haja alguém falando mais e outro conversando. Porque é isso que permite muitas vezes conseguir certos resultados. E nós conseguimos, no caso da francesa [Clotilde Reiss, libertada por gestão de Lula], no caso dos baha'i, no caso do cineasta Jafar Pahani. No Pahani sei que a [atriz francesa] Juliette Binoche falou e deve ter tido muito mais influência. Eu também falei com o ministro [do Exterior iraniano]. Sei que ele foi libertado. Se você começar a entrar numa política condenatória, esquece o diálogo, você opta por ela.
Quer dizer que se o Brasil votar agora pela indicação do relator especial, talvez inviabilize um papel no lado nuclear?
Torna mais difícil, não só no lado nuclear, até no lado de direitos humanos. Você tem duas opções: ser aquele que conversa ou o que condena. Tem o que aplaude, que não é nosso caso. Ao contrário do que alguns dizem na imprensa, o Brasil nunca procurou parceria estratégica com o Irã. Procurou uma relação normal com um país grande. A versão de que o Brasil ficou amiguinho do Irã foi construída pela imprensa americana e a brasileira comprou.
Não posso julgar todas as motivações [para o governo brasileiro], entendo que a questão de direitos humanos é muito sensível para a presidenta, como aliás é para mim, não na medida dela porque não fui torturado, mas perdi meu trabalho na Embrafilme porque autorizei um filme que falava de tortura. Agora, como você obtém resultados é outra questão.
Também acho que a pergunta que foi feita a ela pelo "Washington Post" dava a impressão de que a resolução na qual o Brasil se absteve, no ano passado era sobre a Sakineh, mas não era. O Brasil tinha feito várias críticas e sugestões ao Irã no processo de revisão periódica do Conselho de Direitos Humanos. Agora, é uma escolha. Se você adota a postura da condenação, não dá para ter as duas ao mesmo tempo. Era o que queria ter a França, o Sarkozy. Bater, bater e depois dialogar. Não conseguiu. Precisou da gente para tirar a francesa de lá. Mas nenhum comentário meu deve ser interpretado como julgamento da atual política, porque eu não farei.
Mas o Brasil deve votar a favor do relator especial.
Eu não votaria com os elementos de informação que tenho. Não estou julgando, pode ser que tenham informações que eu não tenho. Quando você sai do poder, as fontes de informações secam. Eu me sinto muito bem representado pelo atual governo.
Mas há uma diferença de estilo entre o sr. e o chanceler Patriota. O estilo não é importante na diplomacia?
Queria fazer um comentário mais de análise política. O início do século 21 é o que está acontecendo no mundo árabe. E a Líbia não é o fundamental. É fundamental para julgar ONU, multilateralismo, uso da força. Mas o que vai ser determinante para o futuro do mundo árabe e para a geopolítica de região é o Egito. E ali o Brasil pode ser muito útil. Fui a Doha [capital do Qatar] e eles queriam saber como o Brasil pode ajudar no processo de transição. Tem dois aspectos interessantes e até aparentemente contraditórios.
Por um lado, o Egito já demonstrou que não vai ter a mesma linha do governo Mubarak quando deu passagem [pelo canal de Suez] aos dois navios [militares] iranianos. Acho que a atitude em relação à disputa entre [os grupos palestinos] Hamas e o Fatah será diferente. Por outro lado, o Egito, com seus 80 milhões de habitantes, numa área em que, tirando Israel, a única potência média é o Irã, será uma outra potência, com capacidade de influência. O Brasil pode ajudar na transição, se for chamado -- não pode ficar se oferecendo. Eu vejo análises que acentuam o aspecto da iniquidade social, da desigualdade como fator de instabilidade, o problema da relação entre militares e civis. Claro que as experiências não são idênticas nem nosso processo foi perfeito. 
Os EUA estão se esforçando para manter sua influência no Egito. A secretária de Estado Hillary Clinton esteve lá.
Eles querem um militar [no poder], é muito curioso.
Por isso falei em diferença de estilo. Patriota não daria essa resposta.
Mas ele é o ministro, não eu. O estilo pode fazer diferença para o bem e para o mal. Talvez seja para o bem. E também são momentos. Você tem momentos de desbravamento, momentos de consolidação. Tenho muita confiança no ministro Patriota, conheço-o bem, sei quais são as ideias dele e acho que, se não fosse assim, não o teria tido como assessor próximo durante 15 anos.
Odeio esse monte de colchetes que a Folha usa para "ensinar" o contexto. Infantilizam o leitor. Mais uma cópia da mídia americana, que paternaliza seus leitores ignorantes e isolacionistas! Tirei alguns. E juntei parágrafos, porque detesto esse formato de paragrafinhos de 3 linhas pra "facilitar" leitura. Também é estressante a tentativa forçar Amorim a "confessar" que o Patriota está à direita dele. Precisa? Tá na cara! Saco isso.

4 comentários:

sunny disse...

Excelente a materia da Claudia, concordo em genero, número e grau com o Amorim quando diz que a política de bater para dialogar depois da França não funciona.
No caso do CDH, podíamos ter feito como o hermanito Uruguai: votado pela abstenção, dava um certo peso, não?
É a diplomacia do amor acabou mesmo. A Dilma tá mal assessorada no MRE, com o amaericanofilo do Patriota (???) ditando as regras.

mari disse...

Ai, mas eu custo a achar isso, sabia? Acho que é a Dilma mesmo, com o pragmatismo dela de economista-gestora...

Claro, a abstenção ficaria de bom tamanho!

Agora, as notas do Itamaraty é que estão de amargar!

sunny disse...

Quais notas? No site do MRE?

mari disse...

as últimas notas do Itamaraty sobre esses eventos todos. devem estar lá no site sim. parecem pílulas de placebo.

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