quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Alugue seu general e ganhe (muito) dinheiro

Os Estados Unidos são um estranho país. Você fica sabendo de tudo sobre a CIA ou a NSA em livros, seriados e filmes de ficção. Mas revele um despachozinho verdadeiro de graça na vida real pra ver o que acontece! Todo mundo ou qualquer um pode contar segredos à vontade, desde que seja por dinheiro. Ex-agentes e ex-analistas da CIA podem prestar consultoria a rodo a roteiristas de Hollywood. Mas espião pode. Ex-generais revelam o que sabem a empresas, mas general pode. Judith Miller, repórter cretina do New York Times hoje na Fox News, revelou mais segredos americanos no livro Guerra biológica do que o Wikileaks. Mas jornalista pode. Estão todos ganhando dinheiro e aí tudo é permitido. Já Bradley Manning, que expôs 251 mil segredos de graça, está trancafiado e assim pode ficar por 50 anos.

Gira a roda monumental da informação: Andrew Sullivan postou em seu blog na The Atlantic comentário sobre a matéria do Boston Globe intitulada “From the Pentagon to the private sector: em grande número e com poucas regras, generais reformados assumem lucrativas funções em empresas de defesa”; o tuiteiro @rodolfob divulgou o post, @nilocabra reproduziu e eu fui ler: em 20 anos, 750 generais e almirantes de 3 e 4 estrelas americanos assumiram postos no complexo industrial-militar depois de aposentados. A matéria começa contando o caso concreto de um general-brigadeiro.

Uma hora após a cerimônia oficial que marcou o fim de sua carreira de 35 anos na Força Aérea, o general Gregory "Speedy'' Martin voltou a seus aposentos para trocar o uniforme de gala pela roupa de golfe. Ele estava pronto para sua primeira partida como general de quatro estrelas aposentado.

Mas tão logo fechou a porta naquele dia, em 2005, seu telefone tocou. Era um executivo da Northrop Grumman perguntando se ele estaria interessado em trabalhar para o fabricante do bombardeiro stealth B-2 [esse preto aí da foto, “invisível" a radares] como consultor remunerado. Algumas semanas mais tarde, Martin recebeu outro telefonema. Desta vez era o Pentágono, pedindo-lhe que participasse de painel ultra-secreto da Força Aérea que avaliaria o futuro da tecnologia dos aviões stealth.

O convite era compreensível: Martin tinha sido o oficial responsável por todos os programas de armas da Força Aérea, especialmente o do B-2, nos quatro anos anteriores.

Ele disse que sim a ambas as ofertas.

Mas não vou traduzir toda a matéria do Boston Globe, de Bryan Bender (26/12/2010), que tem oito (sim, oito) partes, apenas o post no blog de Sullivan, de autoria de Conor Friedersdorf (28/12/2010), que resume bem esta gravíssima situação (quem viu In ascolto entende o perigo e o acinte da presença física da indústria DENTRO dos prédios de organismos americanos de defesa e segurança de Estado). Eis o texto:

Glórias a The Boston Globe por destacar um problema que está pior do que nunca:

The Globe analisa a trajetória das carreiras de 750 dos generais e almirantes das mais altas patentes que se aposentaram nas duas últimas décadas e concluiu: para a maioria que adere, o “negócio” que muitos em Washington chamam de “alugue um general” é irresistível. De 2004 a 2008, 80% dos oficiais de três e quatro estrelas foram trabalhar como consultores ou executivos de defesa. Há menos de uma década, entre 1994 e 1998, menos de 50% seguiram esse caminho.

Em determinados anos, esse movimento é quase absoluto. Trinta e quatro dos 39 generais e almirantes de três e quatro estrelas que se aposentaram em 2007 trabalham agora em funções de defesa - quase 90%. Em muitos casos, não é sutil o que esses generais têm que vender – Northrop Grumman, a empresa onde o general Martin trabalha, é chamada de “O grupo 4 estrelas”, por exemplo. A cultura da “porta giratória” do Capitólio - pela qual ex-parlamentares vendem seu conhecimento específico a firmas de lobby - está agora generalizada nos degraus superiores da liderança militar.

Incrível, hein? (Ah, a charge é do site Antifascist Encyclopedia.) Mas prossigamos no post:

James Fallows tenta explicar por que ouvimos falar disso tão raramente:

Assim, um problema reconhecido há pelo menos meio século parece ter se tornado pior do que nunca - e ainda não é discutido pelos políticos e raramente pela imprensa. Acho que isso tem a ver com as distorções geradas pela chamada "estreita parcela da população" relacionada aos militares americanos.

Como já apontaram o secretário de Defesa Robert Gates e muitos outros, a nação americana como um todo não está "em guerra", mas a minoria que serve (de novo e de novo) no Afeganistão, no Iraque e em outros lugares definitivamente está, e por anos. Um certo sentimento de mal-estar ou culpa pode impedir que os políticos façam algo mais do que "apoiar as tropas".

Abaixo, um resumo das conclusões do Globe:

* Dezenas de generais reformados empregados por empresas mantêm no Pentágono funções de consultoria, o que lhes dá níveis sem paralelo de influência e acesso a informação privilegiada sobre planos de aquisições do Departamento de Defesa.

* Os generais são, em muitos casos, recrutados para esse papel no setor privado bem antes da aposentadoria, levantando dúvidas sobre sua independência e seu julgamento enquanto ainda fardados. O Pentágono está consciente disso e apoia essa prática.

* O sistema de alimentação de certos comandos em determinadas empresas de defesa é tão poderoso que sucessivas gerações de comandantes são contratadas pelas mesmas empresas ou na mesma área. Por exemplo, os últimos sete generais e almirantes responsáveis pela venda internacional de armas do Departamento de Defesa assessoram agora fabricantes de armas e tecnologia de defesa no exterior.

* Quando um general que se tornou empresário chega ao Pentágono, ele é geralmente tratado com deferência extraordinária - como se ainda usasse farda -, o que pode aumentar sua efetividade para a indústria como vendedor. Esse  militar tem até nome para isso - o efeito bobblehead [aquele bonequinho cuja cabeça balança].

Claro que a preocupação dos americanos conservadores se atém à revelação de segredos à indústria bélica, por mais parceira que seja. Poucos entendem que seja a maior interessada -- e mesmo a instigadora -- em guerras. Já a minha preocupação é a presença mesma da indústria. Ela pode saber de todos os segredos, todos. E isso não é coisa distante não. Mesmo pobrezinhos, entramos no mapa-múndi do comércio de armamentos. E com o Johnbean lá na Defesa então...

5 comentários:

Vera Silva disse...

É evidente que o Estado há muito é operado pelas grandes corporações.
O Estado é refém e cúmplice das corporações e com elas se confunde.
Temos razão em nos preocuparmos: somos ricos e agora todos sabemos.
Antes éramos só mão de obra barata e burra, agora somos alvo da guerra ou parte dela como cúmplices.
Ou mudamos isto ou vamos virar a grande corporação, consumindo, nos endividando e capotando no futuro.
Penso que a disseminação da informação correta e de forma reflexiva é a grande defesa. Mas, como chegar a isto com a mídia que temos?
E, pior, só vai funcionar se for um movimento mundial. É isto que precisamos perceber rapidinho aqui no Brasil, na AL, na África...

mari disse...

Correto! E há tantos perigos! 1) Como escapar desse esquema no país mais armado do mundo, que precisa fazer guerra permanente para manter os 10 milhões de empregos do complexo e desovar seus imensos estoques de armas? 2) E na África, como escapar de males que ainda têm origem no colonialismo estuprador? 3) Como nós aqui podemos escapar da tentação do imperialismo (de um jeitinho até solidário) e de vendedores reais de armas, como já somos e ensaiamos? Nossa, é um desafio imenso...

Vera Silva disse...

O país mais armado do mundo não vai achar solução para o dilema que você aponta porque não há solução para isto. Assim como a solução da pobreza nunca esteve em estender as riquezas, mas em dividir as riquezas.
As soluções não estão nos métodos que já usamos, mas em pensar onde erramos e cortar pela raiz.
Penso que só quando as grandes potências chegarem no fundo do poço e as não-potências aprenderem a gerir seus recursos é que começaremos a caminhar para um mundo fraterno.
Até lá é muito cuidado, paciência e aprender a desejar a felicidade. Então, é trabalhar e aparecer.

mari disse...

e rezar pra que isso resolva!

Marcelo Rodrigues disse...

O Manning pertence às forças armadas, mas à parcela que costuma morrer nas guerras. A outra parcela, além de não morrer, providencia uma guerra atrás da outra. Este é motivo pelo qual começo a ficar preocupado, o montão de petróleo que estamos descobrindo está despertando a cobiça dessa gente.

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