sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

O ditador já era! Que emoção, hein? E agora?

Tahrir/
eu fiz tudo pra você sair daqui/
vai embora e vê se leva o Suleimão/
o que eu, o que eu/ 
quero agora é eleição!

(homenagem do Marco Aurélio ao povo egípcio!)

Marco Longari/AFP/Getty/Boston Globe
***
Claro que o que eu acho tem importância zero, mas realmente acho que não se deve apostar um tostão furado na "modernidade" ou no "não fundamentalismo" dessa Irmandade ou Fraternidade Muçulmana. A toda hora leio e ouço gente jogando confeti no grupo, que no poder não promoveria um Estado islâmico e tal. Como? O slogan deles é "O Islã é a solução"! Reúne muitos cientistas e intelectuais, mas em questões de gênero é tão conservador quanto qualquer outro grupo islâmico. Em 2005, conquistou 88 cadeiras no Parlamento numa campanha fulminante. Foi perseguido e proibido, mas vinha sendo tolerado. Sei não. Tomara que a maioria egípcia prefira o Estado secular.

Mas @ALuizCosta, da Carta Capital, sugere a leitura de um texto interessante sobre o assunto, que me deixou muito otimista: "Islamistas e a revolução egípcia", de Hossam Tammam, editor de Islam Online e ele mesmo ex-irmão da Fraternidade. Alguns trechos:

Adel Hana/AP/Boston Globe
Qualquer discussão sobre o status dos islamistas num novo Egito faz pouco sentido porque se baseia nas mesmas informações usadas para estudar os movimentos religiosos, mas ignora o fato de que o Egito assiste a uma revolução que destruiu muitas das antigas características da cena religiosa.

A revolução não foi apenas contra o autocrático, repressor e corrupto regime egípcio, fincado numa aliança de dinheiro, poder e corrupção. Também foi dirigida ao establishment religioso oficial e seu discurso de apoio direto ou indireto a esse regime.

O establishment religioso oficial -- tanto islâmico quanto cristão -- foi o grande perdedor na revolução. Al-Azhar [o centro, o poder islâmico] chegou tarde para enfrentar a situação. Ahmed al-Tayyib, o grande xeque, esperou tempo demais antes de dar declarações que partiram de seu inequívoco apoio ao regime. Mas estas declarações não atenderam às expectativas da revolução. Como instituição religiosa oficial totalmente ligada ao Estado -- estrutural e financeiramente --, Al-Azhar, não mudou muito seu discurso depois da revolução.

Al-Azhar pediu calma quando a revolução atingiu o clímax. Repudiu os egípcios "em confronto" -- ignorando que o que aconteceu foi um ataque vergonhoso orquestrado pelo regime, com ajuda de criminosos e assassinos. Al-Azhar emitiu declarações vagas sobre a necessidade de acabar com a revolução, sem qualquer menção ao regime. O máximo a que chegou Al-Azhar foi convidar os jovens ativistas ao diálogo. A ponto de o porta-voz de Al-Azhar, Mohammed al-Rifa'a Tahtawi, renunciar ao cargo e unir-se aos manifestantes; vários clérigos, em seus trajes oficiais, também. (...)

A posição da mais importante instituição cristã, a igreja copta, foi de gritante apoio ao regime. O papa Shenouda condenou os protestos de 25 de janeiro e instou os coptas a não participarem. Manteve esta posição ao longo da revolução, declarando abertamente seu apoio a Mubarak. Muitos cristãos foram para as ruas, recusando-se a acatar as diretivas do papa. (...) A participação dos cristãos, especialmente os jovens cristãos, nestes protestos constitui outra revolução -- contra a igreja que usou discurso sectário para tirar os coptas da rua e reuni-los em favor de Mubarak, porque ele oferece garantias à comunidade cristã. (...)

Um dos paradoxos da revolução egípcia é que o regime que proibira recentemente a TV dos salafistas [ramo sunita fundamentalista islâmico], acusando-os de incitar conflitos religiosos sectários, inverteu a posição: xeques e seus empregados salafistas foram usados na guerra contra a revolução. Figuras como Mohamed Hassan, Mahmoud al-Masri, Mostafa al-Adawi apareceram na televisão estatal e nos canais privados fiéis ao regime. Eles pediram o fim dos protestos, usando argumentos como segurança nacional e perigo de sedição. Alguns chegaram mesmo a questionar o patriotismo dos manifestantes, alegando tratar-se de conspiração americano-sionista ou afinada com a revolução iraniana. As declarações manipuladas de líderes iranianos em apoio à revolta egípcia contribuiu ainda mais. (...)

***

Muito bom, não? Tammam (este aí do boneco) ressalva que esta generalização toda sobre os salafistas não impede que vozes discordantes tenham sido ouvidas nestes 18 dias de protesto -- inclusive de integrantes da Fraternidade Muçulmana, ela, sempre ela. Que está com o regime e também nas ruas, pronta para conquistar o que for possível. Se um ex-irmão desconfia, eu então mantenho meu olho bem aberto.

Minha próxima tarefa é arrumar alguém que conheça de fato os milicos egípcios. Aí traduzo e faço uma boa postejada aqui. Até agora nada achei que preste.

***
Por falar em revolução egípcia, já tem patrulhinhas no Twitter dizendo que só chamará de revolução depois que os resultados revolucionários ficarem claros. Ah, é? Então, como a Revolução Francesa deu no Terror e depois com os burros n'água não foi revolução? E a Revolução de Outubro, como acabou no imperialismo soviético, não foi? Ah, pajalsta! Vai catar coquinho!

2 comentários:

Chama o Bios disse...

Como sempre, fazendo seus textos com todos os fundamentos possiveis, e mais, expondo sempre sua opinião o que nos ajuda a compreender os fatos. Parabéns!

mari disse...

Ah, você é um amigão!

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