Graças ao Asian Times Online e a outros poucos veículos, além de, obviamente, à grande @VilaVudu, a gente sabe das coisas que realmente acontecem no Egito. Do New York Times, por exemplo, você fica sabendo apenas que o Obama pediu ao Mubarak que não concorra novamente em setembro!!! Pode? Essa gente é toda cega e surda? Setembro, Obama? Até setembro você mesmo pode ter caído!
Mas este artigo rebate outro, de Pepe Escobar (leia aqui no Teia Livre, também tradução de @VilaVudu) tratando da moderada Fraternidade Islãmica. Ele não acredita no reaparecimento da militância islãmica no Egito. Já Syed Saleem Shahzad, com base no exemplo do Paquistão, sim...
Os militantes esperam nas coxias
Syed Saleem Shahzad, Asia Times Online, 1/2/201
Editor-chefe da sucursal de Asia Times Online no Paquistão
ISLAMABAD. Não há força de oposição no Egito, ainda que se considere a Fraternidade Muçulmana, suficientemente organizada, nesse ponto, para assumir o poder no caso de as manifestações públicas em marcha nas principais cidades do Egito levarem ao fim do governo de Hosni Mubarak e à queda do presidente.
Até agora, os protestos não apresentaram demandas estruturadas, além de clamarem pela queda de Mubarak, 83, há 30 anos no poder.
Um dos coringas do drama que se desenrola no Egito – onde um milhão de manifestantes tomam as ruas do Cairo hoje – são os cerca de 15 mil ex-militantes que foram libertados pelas cortes nos últimos dez anos, mas permanecem nas listas de observação dos serviços de segurança e agências de inteligência egípcios.
“Mártires são necessários para eventos, e eventos são necessários para revoluções. E sem revoluções não há avanço” disse hoje o destacado analista político paquistanês Farrukh Saleem no The News International. “Há revolução quando o descontentamento público leva ao rompimento da ordem estabelecida. As revoluções são espontâneas, com raízes em áreas política e economicamente desassistidas. As revoluções começam fora dos centros de poder, em áreas nas quais o mando do Estado seja fraco; depois, as revoluções movem-se na direção do centro do poder.”
Os milhares de militantes foram cercados e caçados entre o final dos anos 1990s e o início de 2001 por Omar Suleiman, ex-chefe da inteligência, que essa semana foi nomeado vice-presidente. Se o aparelho de segurança do governo Mubarak entrar em colapso, aqueles militantes bem podem ter o que dizer sobre a direção para a qual o país deve andar.
A maioria dos militantes pertencem ao grupo al-Gamaa al-Islamiyya e a inúmeras organizações clandestinas que brotaram durante e depois da Jihad afegã contra a União Soviética. Promoveram muita agitação no Egito ao longo dos anos 1980s e 1990s, quando sequestros e ataques a turistas e contra as forças de segurança eram rotina.
A maioria dos grupos foi brutalmente dizimada pelos serviços de segurança; centenas de militantes foram executados, milhares metidos em prisões e vários milhares foram libertados depois de cenas de arrependimento e confissões públicas, obrigados, mesmo assim a apresentar-se regularmente às autoridades policiais para controle.
Esses militantes, com possivelmente centenas de outros que escaparam das prisões nos últimos dias, estão agora misturados à multidão pelas praças, com as forças de segurança obrigadas a enfrentar o que muito provavelmente é o maior desafio que jamais enfrentaram no Egito.
Durante o fim de semana, pela primeira vez desde o início das manifestações, semana passada, apareceu um primeiro sinal de atividade dos militantes islâmicos nas ruas, quando pelo menos quatro prisões foram atacadas e centenas de militantes islâmicos presos foram libertados. É amostra clara da vulnerabilidade de um aparato de segurança conhecido pela brutalidade.
O exemplo do Paquistão
No início dos anos 2000s no Paquistão, o regime o ex-presidente general Pervez Musharraf atacou duramente organizações militantes como Sepah-e-Sahabah, Harkatul Mujahideen, Laskhar-e-Taiba e Jaish-e-Mohammad. E tomaram-se medidas estritas para evitar que os membros desses grupos se unissem a grupos ligados à al-Qaeda.
Apesar disso, o início de atividade de guerrilha de baixa intensidade nas áreas tribais do país mobilizou imediatamente aqueles militantes, e não houve mecanismos das estratégias de contraterrorismo que os detivesse e, sim, eles logo apareceram aliados à al-Qaeda para lutar contra o establishment.
No Iêmen, o quadro é semelhante. As operações anti-al-Qaeda no início dos anos 2000s praticamente eliminaram a al-Qaeda no país. Mas imediatamente depois que alguns líderes militantes iemenitas escaparam da cadeia, começou a haver atividade de guerrilha de baixa intensidade nas áreas tribais – e essa ação despertou muitas células de militantes adormecidas em todo o Iêmen.
O Egito tem longa história de militância política de resistência, por mais que tenha permanecido adormecida há muitos anos.
Emergiram facções militantes imediatamente depois do assassinato de Hasan al-Banna, fundador da Fraternidade Muçulmana, em 1948. O golpe militar e a consequente chegada ao poder do general Gamal Abdel Nasser em 1956, auxiliado por militares ligados à Fraternidade Muçulmana, reunificou a Fraternidade por algum tempo, a qual então se havia dividido em pelo menos três facções.
Depois, as diferenças que começaram a brotar entre Nasser e a Fraternidade levaram a longo período de repressão, que durou até meados dos anos 1960s, quando a Fraternidade desistiu oficialmente da militância armada e abraçou as vias democráticas.
No início dos anos 1970s, a Fraternidade Muçulmana e grupos de militância islâmica pareciam relíquias de museu, mas voltaram à vida no final dos anos 1970s e, no início dos anos 1980s já estavam capacitados para, sob o comando de Ayman al-Zawahiri, planejar um golpe de Estado. O golpe falhou por vários motivos, mas os militantes conseguiram assassinar o presidente Anwar Sadat em 1981.
Estudo atento da história da militância islâmica no Egito mostra que, embora tenha sido esmagada várias vezes, ela sempre renasce, mesmo que depois de muito tempo.
Depois do assassinato de al-Banna, os movimentos militantes surgiram como reação ao crime. Do final dos anos 1950s até os 1960s, a militância assumiu traços de fundamentalismo extremamente ideológico e declarou que o Egito seria sociedade de hereges. Foi o início de uma rebelião, mas foi controlada até meados de 1970s, quando o reatamento de relações diplomáticas entre Egito e Israel deu novo alento aos militantes, ação que culminou com o assassinato de Sadat.
A Jihad afegã nos anos 1980s deu nova dimensão à militância islâmica, que trabalhou por uma revolução islâmica no Egito. Mas no início dos anos 2000s, as autoridades outra vez retomaram o controle.
Agora, aí estão os protestos de massa gigantes no Egito, e a militância pode renascer – dessa vez, com uma outra dimensão: nos palcos de guerra do Afeganistão e do Iraque, as guerrilhas são lideradas pelo campo egípcio controlado pela al-Qaeda, e o levante nas ruas do mundo árabe pode garantir popularidade sem precedentes ao radicalismo. (Ver “Al-Qaeda's unfinished work” [O trabalho não concluído da Al-Qaeda], 1/2/2011, Asia Times Online].)
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