sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

A vida fora da Praça Tahrir

Vi essa matéria de ontem no Monde e achei interessante para mostrar como estão vivendo os egípcios que não vão à Praça Tahrir todo santo dia, há 11 dias, protestar por horas a fio. Reparem que ninguém xinga os manifestantes (ou o Monde cortou ou estão todos entendendo -- e apoiando -- os protestos).

Fila em padaria do Cairo (Mohammed Abou Zaid/AP/LeMonde)

“Manhãs em busca de gêneros de primeira necessidade”, Le Monde, 3/1/2011

Civis que se transformam em milicianos para garantir a segurança, longas filas diante das lojas. Os protestos têm perturbado a vida cotidiana dos egípcios, especialmente quanto ao abastecimento de comida. No Cairo, caixas eletrônicos foram recarregados pela primeira vez na quarta-feira, mas os supermercados continuam lotados. Enquanto aguardam o regresso à normalidade, egípcios tentam se organizar.

"Se essa situação persistir, o abastecimento será um problema real", por Nada

Apesar de tudo o que vivemos de insuportável nesses dias de alegria extrema, medo, sonhos de um país melhor, otimismo, apesar do medo de um futuro desconhecido, para mim, o toque de recolher e o desabastecimento nas lojas não são um problema. Estou disposta a tudo para fazer de meu país um lugar melhor. Estudante na Universidade do Cairo, os exames foram adiados ninguém sabe até quando, mas isso não me incomoda porque, nessa situação, seria impossível fazer exames. Nas lojas, alguns produtos começam a faltar, mesmo que a informação tenda a ser distorcida e exagerada pela mídia egípcia e outras para que aceitemos qualquer coisa que o presidente pense em nos oferecer para salvar a situação. Mas se esta situação persistir, o abastecimento será um problema real. Quanto à comunicação com os parentes, os telefones fixos deram conta, mas psicologicamente me senti reprimida pelo regime quando interrompeu os serviços de internet e de celular.

"Não foi possível transferir os salários de meus funcionários em janeiro", por Lawrence

Nesta quarta-feira, no mercado, os preços subiram claramente em relação a ontem. No entanto, os legumes são sempre frescos e não parece haver problemas de abastecimento. Nos supermercados, a situação é diferente. Eles estão lotados desde o início dos protestos. Segunda-feira houve um balé constante entre o depósito e a loja, pois a demanda era grande. Hoje, as prateleiras foram reabastecidas em apenas um terço e olhe lá, não temos mais estoque. Dirijo uma fábrica no subúrbio de Alexandria, onde os guardas se refugiaram. Por enquanto a fábrica não foi atacada. Não foi possível transferir o salário de janeiro de meus funcionários, porque os bancos ainda estão fechados. Esperamos um retorno ao normal no domingo, e espero poder reiniciar meu negócio. (...) Hoje, depois de vários dias e noites na rua, não há ninguém pró-Mubarak. Sua saída é desejada por todos. Todos anseiam por voltar à vida normal: dormir na cama, comer, trabalhar.

Lixo não recolhido (MiguelMedina/AFP/Le Monde)
"À 17h, uma sucessão de barreiras e controles dirigida por civis", por Amanda

Em Alexandria, a vida cotidiana mudou consideravelmente. As manhãs são passadas em busca de necessidades básicas em lojas e supermercados tomados de assalto, onde os clientes são filtrados. O toque de recolher soa às 17h, o ritmo da cidade cai de só golpe e então surgem barreiras e controles dirigidos por civis usando braçadeiras brancas, que fazem vigília a noite toda no diferentes bairros, num clima amistoso que permite que as pessoas se conheçam melhor e formem brigadas para garantir a segurança e fazer a limpeza. De fato, desde o início dos eventos, os serviços de limpeza não mantêm um nível mínimo de limpeza ou coleta de lixo, que é queimado.

"Tomamos nossa proteção na mão", por Fady

Sou estudante de Medicina. Na semana passada, minha vida foi severamente prejudicada, porque nosso dia se resumia em recuperar veículos e bens roubados. Ao patrulhar meu bairro com meus amigos, controlamos as placas dos carros, tomamos nossa proteção em nossas mãos. Tenho saudades da minha antiga vida, de navegar na web e me comunicar livremente com meus amigos... Minha vida agora se resume a ouvir nossas estações locais de TV, como Al-Jazeera. Agora, o toque de recolher nos faz perder três vezes mais tempo nas compras. Farmácias e supermercados vendem tudo o que têm e não sabem quando serão abastecidos. Um farmacêutico me disse: "Em breve vou virar soldado". (...)

Barreiras civis (Dylan Martinez/Reuters/Le Monde)
"As pessoas estocam comida, pão, gasolina e dinheiro", por Elodie

Professor numa escola francesa no Cairo, moro num bairro do norte da cidade, longe o suficiente do centro. Paramos de trabalhar na quinta-feira passada, a situação ficou mais difícil. Na verdade, na sexta-feira as comunicações foram quase que totalmente cortadas. Restava o telefone, pelo qual recebia ligações de parentes. Nesse dia, começou o toque de recolher. As pessoas estão estocando comida, pão, combustível e dinheiro. Por enquanto, a loja onde costumo ir ainda está bem abastecida. Durante o dia, podemos circular sem problemas. As noites, ao contrário, são sempre agitadas. Em toda parte as pessoas vigiam as ruas graças às barreiras, mas às vezes ouvimos gritos, tiros, uma agitação perceptível mesmo aqui do quarto andar. Os dias são longos sem internet, sem canais internacionais. Uma espécie de teste de confinamento nesta cidade que normalmente não descansa. Além disso, quase todas as lojas que não vendem comida estão fechadas, as vitrines protegidas por placas de madeira ou recobertas com tinta branca para evitar saques.

"Baixamos proxies para contornar a censura", por Novinha

Tuiteira assídua, segui a preparação do primeiro grande evento, em 25 de janeiro. Primeiro eles cortaram o Twitter e o Facebook, mas baixamos proxies para burlar a censura, e continuamos a dar informações. (...) Então, de manhã, foram cortados internet e celulares. Acompanhamos os acontecimentos nos canais internacionais (Al-Jazeera em inglês, BBC World, CNN, TV5). Usamos nossos telefones fixos (apenas ligações locais), o que permite trocar informações com os amigos. E os boatos às vezes são terríveis, difícil verificar ou refutar. (...) As crianças estavam ansiosas no início, mas foram abrigadas por amigos preocupados com sua segurança, em sua casa a poucos quilômetros daqui; agora brincam com os amigos e pensam em outra coisa. À noite, as milícias continuam a patrulhar após o fechamento das ruas com barricadas improvisadas. Temos provisões, nada nos falta. As lojas começaram a reabrir hoje.

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