domingo, 2 de maio de 2010

Só rindo. Ou chorando

Correspondente do Libération em Washington descobre a América!, diz a Caia Fittipaldi, que traduziu o texto. As fotos, do satélite da Nasa, são do Huffington Post. Veja aqui o slideshow.





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British Petroleum aos voluntários, na Louisiana, EUA: “Cuidado com vespas, mosquitos e crocodilos!”

Lorraine Millot, Libération, 2/5/2010

A empresa British Petroleum começou a recrutar voluntários para limpar o petróleo que vaza ao largo da Louisiana, ou para instalar as barreiras flutuantes que se espera que protejam a costa. No ginásio da escola de Boothville, pequena localidade próxima do delta do Mississippi, ontem, pela manhã, mais de uma centena de pescadores, desempregados e outros “voluntários” tiveram direito a mais de duas horas de espera, ao final das quais receberam rápida exposição sobre os princípios de segurança da empresa, segurança que, diz a empresa, vale mais que o petróleo.

Ajudado pelo computador, que projeta na parede algumas palavras-chave (que não se consegue ler, porque as letras são pequenas demais), um instrutor contratado pela British Petroleum explique que, antes de participar das operações de descontaminação, os “voluntários” devem apanhar o PPE correto. “PPE”, repete ele: “Personal Protective Equipment” [Equipamento de Proteção Pessoal]. “Os PPE serão fornecidos”. “É imprescindível usar o PPE correto, sobretudo se vão manipular produtos químicos. Outro princípio essencial: não esquecer a “JSEA”. “Job Safety Environmental Analysis” [Análise Ambiental da Segurança do Trabalho]...

Mas também há a questão dos conteúdos, pesados: “Mantenham a mão no corrimão, ao subir e descer escadas”. “Flexionem os joelhos ao erguer ou baixar cargas pesadas”, “Jamais erga sozinho carga de mais de 23 quilos” e “Não erga acima da cabeça carga de mais de 11 quilos” (os formulários a serem preenchidos para recrutamento perguntam, por via das dúvidas, se você consegue erguer mais de 23 quilos...), “Proteja-se da exposição ao sol. A exposição ao sol pode causar desgaste grave”, “Cuidado com insetos e águas vivas”, “Há aqui crocodilos, mosquitos, vespas...”, “Não tente prender animais selvagens. Eles mordem”... Como se a principal ameaça não fosse o petróleo que contamina o Golfo do México, mas a natureza, aquela que, com certeza, ainda não foi totalmente massacrada...

Na plateia, ninguém ri. Verdade que há quatro policiais uniformizados, para garantir a ordem. Os jornalistas estão proibidos de falar aos “voluntários” (mesmo antes, durante a longa espera para a reunião). “Se querem entrevistas, saiam”, diz um dos policiais, com cara de poucos amigos. “Mais uma palavra, e estão na rua”. “Liberdade de manifestação”, comenta um cameraman americano, antes de calar a boca, porque quer permanecer na sala.

As perguntas dos voluntários, contudo, mostram outro tipo de preocupação, além dos crocodilos e mosquitos. “Se assinarmos o documentos que nos entregaram, abrimos mão do direito de processar coletivamente a British Petroleum?”, pergunta nosso novo amigo, capitão Peace (que se apresentou ontem). Muitos outros querem saber outra coisa: “Vocês dizem que é programa voluntário, mas seremos pagos?”; “Quanto? A BP garante que sim, que os “voluntários” serão pagos, mas ainda não quer anunciar os valores, em público. Entre os pescadores, já se discutem números. A BP propôs pagar de 1.200 a 2.500 dólares por dia, conforme o tamanho do barco que tenham a oferecer.

“Tudo isso aí é marketing, puro circo”, resume Matt O’Brien, comerciante de caranguejos que acabou de investir para dedicar-se também ao comércio do camarão. “A BP faz essa encenação porque as empresas de seguro exigem. Depois, poderão dizer que não foi culpa deles, caso aconteçam acidentes durante a operação de limpeza”. “É ridículo”, resume outro pescador, Dewell Walker. “A BP quer desviar a atenção do petróleo que vaza. Querem empregar os pescadores, para impedir que processem a empresa. É como se eu assassinasse sua avó e propusesse casamento a você”.

Dewell assistiu placidamente à palestra, e apanhou os documentos distribuídos pela BP, mas garante que não se inscreveu no “programa voluntário”. Disse que prefere continuar desempregado e confiar na “graça de Deus” a participar dessa farsa de segunda. Mas muitos pescadores, que temem os vários meses vindouros sem trabalho, já se inscreveram: “Sempre será alguma coisa”, diz um deles. “Já participei de outras operações de limpeza semelhantes. É só fingir que tira um pouco de petróleo quando os jornalistas estão por perto. É só o que esperam de nós. Mas” – diz ele –, “uma das cláusulas do contrato que a British Petroleum nos obriga a assinar nos proíbe de falar com jornalistas.”

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