Marx, Engels, Lênin: teoria anticabeçada |
Esqueçam o tamanho (o moço escreve demais mesmo, sempre); esqueçam que se trata de um marxista "cristão" (ai ai...); esqueçam o sarcasmo gratuito dirigido a Dawkins (a quem ele odeia); esqueçam a redução do Manifesto Comunista; esqueçam uma ou outra piadinha contra o próprio autor do livro; esqueçam as besteiras, enfim. É o Terry Eagleton resenhando o Eric Hobsbawm, e isso é de um valor monumental.
Esse deve ser um livro imperdível. Quanto mais teoria marxista debatermos mais saberemos interpretar os fatos, por exemplo, do novo governo. Está insuportável a pressão para que Dilma quebre tudo e faça de uma vez por todas a revolução. Oba, também quero. Mas não dá. Então, para acalmar afoitezas, oportunismos e voluntarismos, nada como estudar Marx, Engels, Lênin, Gramsci, essa turminha que sabia distinguir as questões de princípio das "querelas mesquinhas" (expressão de Lênin em Um passo à frente, dois atrás, de 1904). Tá, não estou dizendo que Lênin esteja no patamar teórico da dupla, mas sabia muito de estratégias e táticas da organização do partido.
A laboriosa tradução abaixo é @VilaVudu! (Incluí por minha conta imagens e legendas)
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Indomáveis
Terry Eagleton
Distinguished Professor de English Literature na Lancaster University. Seu livro mais recente é On Evil.
London Review of Books, vol. 33, n. 5, 3/3/2011, pp. 13-14
A capa do livro, que na Amazon.co.uk custa £ 15 |
Em 1976, muita gente no Ocidente pensava que o marxismo era ideia a favor da qual se podia facilmente argumentar. Em 1986, a maioria das mesmas pessoas já não pensavam como antes. O que aconteceu nesse entretempo? Estarão todos aqueles marxistas enterrados sob uma pilha de filhos engatinhantes? Todo o marxismo terá sido desmascarado, com seus vícios expostos por novas pesquisas revolucionárias fortes? Terá alguém tropeçado em manuscrito perdido, no qual Marx confessou que era tudo mentira, piadinha?
Estamos falando, atenção, sobre 1986, poucos anos antes do colapso do bloco soviético. Como Eric Hobsbawm lembra nessa coleção de ensaios, não foi o colapso do bloco soviético que levou tantos crentes tão fiéis a mandar para a lixeira os cartazes de Guevara. O marxismo já estava em pandarecos desde alguns anos antes de o muro de Berlim vir abaixo. Uma das razões da debacle foi que o tradicional agente das revoluções marxistas, a classe trabalhadora, havia sido varrida do mundo por mudanças do sistema capitalista – ou, pelo menos, já não era maioria significativa. É verdade que o proletariado industrial encolheu muito, mas Marx jamais disse que a classe trabalhadora fosse composta só de proletários da indústria.
Em Das Kapital, os trabalhadores do comércio aparecem no mesmo nível que os trabalhadores da indústria. Marx também sabia muito bem que o maior, e muito maior, grupo de trabalhadores assalariados de seu tempo não eram os trabalhadores da indústria, mas os empregados domésticos, a maioria dos quais eram mulheres. Marx e seus discípulos jamais supuseram que alguma classe trabalhadora pudesse avançar sozinha, sem construir alianças com outros grupos oprimidos. E, embora o proletariado industrial devesse ter papel de liderança, nada permite supor que Marx supusesse que tivesse de ser maioria, para desempenhar seu papel.
O genial Gramsci |
As ideias radicais degradadas, oferecidas como mudança radical, pareciam cada vez mais implausíveis. A única figura pública que denunciou o capitalismo nos últimos 25 anos, diz Hobsbawm, foi o papa João Paulo II. Duas ou três décadas depois, os covardes e fracos de coração assistiram à glória de um sistema tão exultante e impregnável, que só precisava cuidar de manter abertas as caixas de autoatendimento dos bancos em todas as ruas e esquinas.
Hobsbawm: nascido em 1917!!! (Mais aqui) |
Hobsbawm, é claro, não tem a onisciência do Espírito-do-mundo hegeliano, apesar do saber cosmopolita e enciclopédico. Como muitos historiadores, não é muito afiado no campo das ideias e erra ao sugerir que os discípulos de Louis Althusser trataram Marx’s Capital como se fosse, basicamente, trabalho de epistemologia. Nem o Geist de Hegel trataria o feminismo, sequer o feminismo marxista, com tão gélida indiferença, ou dedicaria só rápidas notas laterais a uma das mais férteis correntes do marxismo moderno – o trotskismo. Hobsbawm também pensa que Gramsci seja o mais original pensador que o ocidente produziu desde 1917. Talvez queira dizer o mais original pensador marxista, mas nem isso está absolutamente claro. Walter Benjamin, com certeza, seria candidato mais bem qualificado para esse trono.
Por último, o próprio Eagleton (daqui) |
Como Hobsbawm poderia ter acrescentado, houve revoluções praticamente sem derramamento de sangue, e alguns espetacularmente sanguinolentos processos de reforma social.