quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Passados e contextos

A propósito da "crise" em torno de Monteiro Lobato, Marco Aurélio (meu filho, não o ministro) escreveu o seguinte:

William Blake, Monteiro Lobato e o zeitgeist

Marco Nascimento

William Blake foi parte do movimento intelectual abolicionista inglês. Autor de "Tyger, tyger, burning bright, in the forests of the night", ajudou a difundir o ideal de igualdade entre os homens que  culminaria na libertação dos escravos ingleses e na defesa desse princípio pela Inglaterra. E, no entanto, vejam vocês como se parecia um poema abolicionista em 1789 (é só o primeiro parágrafo):

The little black boy
My mother bore me in the southern wild,
And I am black, but oh! my soul is white.
White as an angel is the English child,
But I am black as if bereaved of light.

Uma tradução googlesca com algumas correções:

O garotinho negro

Minha mãe me deu à luz na selva do sul,
E eu sou negro, mas, oh! minha alma é branca.
Branca como um anjo é a criança inglesa
Mas eu sou negro, como se desprovido de luz.

Pensando nesse poema pergunto-me se não é possível que Monteiro Lobato, apesar de ter todas as melhores intenções, exatamente como Blake, tenha sido vítima do zeitgeist, também, exatamente como ele, e posto em seu texto algumas características que seriam tão-somente naturais em sua época.

Li o parecer do CNE a respeito do livro e a cruzada contra a recomendação de não se utilizar o livro teve algumas defesas exageradas. Não é porque o livro é um clássico que sua utilização seja ponto-pacífico entre crianças. E questionar isso não é nenhuma ofensa ao autor.

Mais que isso, algo me diz que Monteiro Lobato, estivesse entre nós, concordaria em rever os escritos, porque "macaca de carvão" é uma expressãozinha infeliz.

6 comentários:

Anônimo disse...

Concordo que há expressões nos livros de Lobato que não cabem em nossa sociedade atual. São "politicamente incorretas". Tudo bem. Mas há uma tentativa de caracterizá-lo com um racista e preconceituoso, o que não é admissível. Lobato, assim como todos em sua época (e também acontece em nossa época) carregava valores e visão de mundo de seu contexto social. É o começo do século 20. São mais de 100 anos. A abolição da escravidão no Brasil não tinha 30 anos. O correto é contextualizá-lo e discutir os avanços e amadurecimento de nossa sociedade. Mas censurá-lo? É inadimissível!

marel disse...

Onde há censura? Onde há essa tentativa de caracterizá-lo como racista? Leia o parecer. O que há é uma recomendação para que não se use esse livro em sala de aula. Só.

mari disse...

Além do incentivo à leitura, Monteiro Lobato em sala de aula é uma ótima oportunidade para o início do debate sobre preconceito. Tem que começar cedo. Agora, o professor precisa ser capacitado.

marel disse...

Fico pensando na sala de aula que tiver um monte de brancos, alguns pardos e um menininho mais pretinho que os outros, que por isso mesmo já é meio marcado, meio tímido, meio sacaneado. Aí chega o dia em que se lê, em plena sala, a passagem da "macaca de carvão". Não há professor capacitado para gerir esse passivo emocional. Deve-se discutir racismo abertamente. Não deixar que o assunto venha a reboque de um texto anacrônico que não é sequer plenamente representativo do assunto, tendendo mais a uma ambiguidade infeliz.

mari disse...

Adorei o Idelber Avelar: http://www.idelberavelar.com/archives/2010/11/monteiro_lobato_o_racismo_e_uma_falsa_polemica.php

mari disse...

Tem razão, filho! Me convenceu!

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