Entro no carro, ligo o rádio: 18h13, avisa o repórter do helicóptero.
-- Vem um temporal aí. Na Baixada já chove forte. Vejo relâmpagos por toda parte.
Penso, vou voando baixo pra chegar antes da chuva.
Mal saio do prédio da Expansão da Fiocruz, não posso entrar no atalho para a Linha Vermelha: bem ali, há um corpo estendido no chão. Vejo o Rodrigo, colega do quinto andar, desviando os carros, mas não consigo parar para ajudar: estou "sanduichada" entre dois ônibus, o que está atrás de mim quase me engole. Vou olhando pelo retrovisor o rosto do Rodrigo, preocupado; eu também. Penso, pego a saída pra Linha Vermelha e retorno pelos caminhos de terra pra ir lá ajudar. Faço muito isso para escapar do engarrafamento da Cedae. Até já me perdi na Vila do João. Não dá! Um ciclista encobre a primeira picada, motoristas alucinados não me permitem reduzir para pegar o segundo desvio, muito precário. Bando de loucos. Um desse tipo deve ter atropelado o pobre homem lá atrás.
Celular novo, quase todos os telefones perdidos, nem posso alertar meus chefes, que estavam deixando a redação e logo passariam por ali. Droga! Como fui perder a droga do celular??? Sigo meu caminho, arrasada. Baita engarrafamento na Linha Vermelha, mas a Perimetral e a Francisco Bicalho estão livres. O Genilson do helicóptero avisa:
-- Motorista, prepare-se para um temporal daqueles. Chuva intensa na Baixada. Já recebemos ordem para voltar à base.
Antecipo: vai faltar luz. Mal chego em casa, Marco sai para levar o pai à Saens Peña. Penso, vem preocupação aí. Relâmpagos e trovões assustam. As gêmeas do andar de cima gritam de medo. Organizo meus e-mails, salvo alguns anexos. Cai a luz. Volta a luz. Cai a luz. O no-break ainda ilumina a tela: acho as velas, as lanterninhas. Sem luz, sem computador, sem TV, sem telefone (um aparelho velho que eu tinha não precisava de energia... onde andará ele?). Não consigo fechar as persianas, a água entra pela janela e faz poça no meu quarto! Droga! Agradeço aos inventores do celular. Ligo para o Marco: o celular dele responde no quarto ao lado. Que maluco, sai na chuva sem celular. E se precisar do socorro, liga de onde? Sinceramente? Faço questão de celular só para ter como chamar o socorro num aperto.
Marco fez um caminho doido pelo alto da Tijuca e chega bem. Conversamos em meio às velas e às lanterninhas de luz fria: a reunião da associação de moradores de Santa na quinta, uma entrevista que ele deu de manhã à TV Futura, ciência, religião, crendices, mistérios... enchemos o saco. Vamos comer picanha na Majórica? Vamos! Estamos fechando a porta, toca o celular do Marco. É o Adriano, que mora no terceiro andar de um predio pequeno um pouco acima do Largo das Neves, ou seja, beeeem no alto. Alagou a casa dele! Tiraram água da sala com rodo!!! Quequéisso???
Vamos por cima, descemos pela Glória, chegamos rapidinho à Paissandu e à Senador Vergueiro. Majórica lotada, 20 minutos de espera. Quando entramos, as salas com ar-condicionado estão desertas! Moço, o que houve com as salas refrigeradas? Inundaram! Tem uma obra no motel em cima e entrou água...
Pode? Quase meia-noite, Marco liga, a luz voltou em Santa. Subimos pela Rua Alice. Lixo, montes de lixo, cheiros indescritíveis por todo o caminho. Cadáveres? "Qualquer coisa orgânica, mãe, pode ser um gato", diz meu filho. Chegamos ao Largo, paramos na carrocinha do João. A luz voltou há uma hora. Que bom, vou ver um filme.
Só se for no computador (tenho Austrália e Seven pounds baixados). Porque a TV está sem sinal. Ligo. "Sua região está sem sinal, senhora Marinilda". Ah, ok, e qual é a previsão? "Amanhã às 18h".
Dizer o quê? Que a vida é uma merda? A vida é uma merda para os que perderam tudo no temporal. Aposto que serão muitos. Ou para o rapaz atropelado perto da Expansão. Pra mim, a vida é suave. Obrigada a todos que contribuem.
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BREAKING NEWS
* O ATROPELADO ERA VUIGILANTE DA EXPANSÃO! ESTÁ BEM, QUEBROU O É!!!
* Ah, e a Net voltou antes de eu acordar. Não disse que a vida (para alguns) é suave?
3 comentários:
Foi só porque eu aceitei o convite da Lúcia para assistir "Quero ser um Milionário no Largo dos Guimarães. Tivemos que ir de barco da Padaria das Famílias até o cinema!
Mari, sua "äventura" lembrou os velhos tempos do JB, mais dramática, é claro. Lá em Japa caiu um raio no prédio próximo e parecia que a casa ia desabar. Os gatos se enfiaram debaixo da cama, os cachorros esconderam o focinho, um horror. Felizmente durou só uns 40 minutos, a luz faltou três vezes, Net e Virtua,claro, sairam do ar. Depois a lua apareceu. Esse e o nosso Rio, amiga.
O ATROPELADO ERA VUIGILANTE DA EXPANSÃO! ESTÁ BEM, QUEBROU O É!!!
Ah, e a Net voltou antes de eu acordar. Não disse que a vida para alguns é suave?
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