quarta-feira, 4 de maio de 2011

O discurso pró-tortura se alastra

Imagem daqui
Tuitei ontem post do Andrew Sullivan, do Daily Beast, desmontando a "Big Lie" sobre o peso da tortura na descoberta do mensageiro de bin Laden, personagem-chave para a execução do terrorista (aqui, aqui e aqui). Peso que, diga-se, pelo que li até agora, foi NENHUM. Na segunda (2/5), postei lá no Facebook:
"Mais uma: John King na CNN insiste e ouve de ex-diretor da CIA que a informação sobre a casa de bin Laden veio do interrogatório de um prisioneiro pela CIA. Tá posta a mesa para a defesa da tortura à Langley. 
Hoje, é a Fair que traz o assunto. Na minha humirde, um dos mais importantes do episódio. Se o waterboarding for considerado prática-chave para o que quer que seja, viro ermitã DE VEZ. Nem considero a matéria da Fair espetacular (falta-lhe indignação), mas traduzi porque enumera as várias menções ao assunto (embora tenha omitido a do King, que eu vi) até por gente insuspeita, como o Dana Milbank do W.Post; pelo conjunto da obra, ele tinha obrigação de apurar antes de escrever asnice. Bem, eis a matéria da Fair:

O waterboarding "funcionou"?
Mídia passa mensagem pró-tortura

Alguns dizem que as informações que levaram ao esconderijo de Osama bin Laden no Paquistão foram geradas pelo uso de tortura. Mas as evidências disponíveis até o momento não confirmam isso.

Defensores direitistas da tortura falam em vingança. Na Fox News, no programa O'Reilly Factor (2/5/11), o deputado Peter King (R-NY) anunciou que
obtivemos informações vários anos atrás, informação vital sobre o estafeta de Obama [sic] [gente, como pode um ato falho assim tão evidente?]. Obtivemos a informação através da simulação de afogamento. Assim, para aqueles que dizem que "waterboarding" não funciona, que deve ser interrompido e nunca mais usado -- com ele tivemos a informação vital que conduziu diretamente a bin Laden.
O'Reilly proclamou: "Você não vai ouvir isso em outras redes, eu garanto."

Na verdade, a falácia de que essa tortura pode ter revelado a identidade do mensageiro de confiança de bin Laden tem sido muito ouvida. No CBS Evening News (2/5/11), o repórter David Martin disse: "Informações saíram de prisões secretas da CIA onde os prisioneiros da al-Qaeda foram waterboarded".

E o repórter Jonathan Karl, do ABC World News, recorreu à perícia de Dick Cheney (2/5/11):
Karl: Uma questão-chave, sugere Cheney: o programa avançado de interrogatórios da CIA, que Obama suspendeu porque incluiria tortura. Uma dica precoce levando ao mensageiro de bin Laden veio de alguns desses interrogatórios.
Cheney: Tudo que sei é o que vi no jornal, mas não seria surpreendente se, de fato, o programa produziu resultados que, em última análise, contribuíram para o sucesso desse empreendimento.
O Los Angeles Times (2/5/11) relatou:
Informações cruciais sobre o mensageiro de confiança do complexo surgiu anos atrás em interrogatório da CIA com o cérebro do 11/9, Khalid Sheikh Mohamed, disse o funcionário. Isto é significativo porque o cérebro da al-Qaeda foi submetido a afogamento e outros métodos brutais de interrogatório.
O colunista Dana Milbank, do Washington Post, observou (3/5/11) que Obama matou Osama Bin Laden "com um aparente apoio da administração Bush, o programa de interrogatórios". E no Today da NBC (3/5/11), Jim Miklasziewski relatou:
Autoridades dos EUA disseram ao NBC News que o cérebro por trás do 11/9 Khalid Sheikh Mohammed, enquanto sob custódia da CIA, forneceu informações fundamentais sobre o mensageiro de bin Laden. Obtidas, por vezes, com técnicas de interrogatório agressivas, como o afogamento.
Mas os detalhes conhecidos até agora não apoiam o argumento de que a tortura tenha produzido qualquer informação-chave. Como Jane Mayer, da New Yorker, escreveu (2/5/11):
Se o interrogatório da CIA tivesse sido suficiente, o governo dos EUA teria localizado bin Laden antes de 2006, quando terminou a custódia da CIA desses chamados "detentos de alto valor". Este cronograma não parece oferecer grande apoio ao discurso pró-tortura.
O blog Think Progress (3/5/11) observou que funcionários do governo contestaram essa idéia de que as informações críticas vieram de sessões de tortura:
Hoje de manhã, no Morning Joe da MSNBC [3/5/11], John Brennan, conselheiro sobre contra-terrorismo de Obama, confirmou que as informações obtidas ao longo de nove anos não vieram de waterboarding, mas foram montadas a partir de múltiplas fontes.
O New York Times ( 4/5/11), entrevistando fontes de inteligência, informou que "um olhar atento aos interrogatórios de prisioneiros sugere que as técnicas duras desempenharam pequeno papel, no máximo, na identificação do mensageiro de confiança de bin Laden."

Mais importante, o Times observou que "dois presos submetidos aos mais duros tratamentos -- incluindo Khalid Shaikh Mohammed, que foi waterboarded 183 vezes --, enganaram repetidamente seus interrogadores sobre a identidade do mensageiro".

Telegrama da Associated Press (2/5/11) informou que
Mohammed não revelou nomes ao ser submetido à técnica de simulação de afogamento conhecida como "waterboarding", disse o ex-funcionário. Ele o identificou muitos meses mais tarde, sob interrogatório normal, segundo ele, deixando mais uma vez em debate se as técnicas duras são ferramenta valiosa ou tática desnecessariamente violenta.
Este "em debate" é estranho, dado que as provas sugerem que o lado pró-tortura do "debate" pouco tem para apoiar sua defesa. E essas discussões servem para reafirmar um discurso da mídia que tenta normalizar a tortura, tornando-a um debate que prioriza os resultados -- ou seja, será que funciona? -- sobre a legalidade e a moralidade. (Ver Extra!, 1-2/02).

Kiran Chetry, da CNN (3/5/11), perguntou o seguinte à ex-conselheira de segurança nacional de Bush, Condoleezza Rice:
Coisas como interrogatório avançado perderam apoio. O atual governo disse que suspendeu essas práticas controvertidas, como a simulação de afogamento, que eram aceitas no governo Bush. Outra coisa são os black sites, locais de interrogatório da CIA ao redor do mundo. Tudo isso recebeu inúmeras críticas. Quanto mais vazam informações sobre se essas estratégias desempenharam papel fundamental para matar Osama bin Laden, o atual governo deveria reavaliar o governo Bush?
A par de reavaliar a administração de Bush, há muitas vozes na mídia sugerindo que deveríamos reavaliar a questão da tortura como prática aceitável para o governo dos EUA. Só nos resta esperar que os meios de comunicação tratem o assunto com mais cuidado do que no passado.

4 comentários:

Vera Silva disse...

E depois os povos antigos é que eram bárbaros.
Estamos na era dos fins justificam os meios.
Vamos acabar reavaliando os ditadores brasileiros. Vai ver que é por isto que a falha fala em ditabranda.
Eu, por mim, já decidi viver sem expectativas: faço o que acho ético e não espero nada. Só assim para manter a sanidade.

mari disse...

é mesmo, né, Veruska? sem expectativa a gente não enlouquece. mas é duro...

Vera Silva disse...

Morrer em paz com a consciência vale qualquer sacrifício, não é Mari?
O resto é lucro. Dá até para sorrir e cantar: Viver e não ter a vergonha de ser feliz...

mari disse...

Bem, marromeno. Tá duro segurar tanta eme... Hoje vi um comentário no Twitter: melhor Obama reeleito do que Sarah Palin na presidência. Tragédia por tragédia, né?

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