Exatamente isso: lixo atômico. Nem bem o governo se desfez (e os ricos partiram), começaram a aparecer misteriosos navios europeus no litoral da Somália, que jogavam ao mar contêineres e barris enormes. A população litorânea começou a adoecer. No começo, erupções de pele, náuseas e bebês malformados. Então, com o tsunâmi de 2004, centenas de barris enferrujados e com vazamentos apareceram em diferentes pontos do litoral. Muita gente apresentou sintomas de contaminação por radiação e houve 300 mortes.
Quem conta é Ahmedou Ould-Abdallah, enviado da ONU à Somália: "Alguém está jogando lixo atômico no litoral da Somália. E chumbo e metais pesados, cádmio, mercúrio, praticamente todos". Parte do que se pode rastrear leva diretamente a hospitais e indústrias européias que, ao que tudo indica, entrega os resíduos tóxicos à máfia, que se encarrega de "descarregá-los" e cobra barato. Quando perguntei a Ould-Abdallah o que os governos europeus estariam fazendo para combater esse negócio, ele suspirou: "Nada. Não há nem descontaminação,nem compensação, nem prevenção".
Ao mesmo tempo, outros navios europeus vivem de pilhar os mares da Somália, atacando uma de suas principais riquezas: pescado. A Europa já destruiu seus estoques naturais de pescado pela superexploração — e, agora, está superexplorando os mares da Somália. A cada ano, saem de lá mais de 300 milhões de atum, camarão e lagosta; são roubados anualmente por pesqueiros ilegais. Os pescadores locais tradicionais passam fome.
Mohammed Hussein, pescador que vive em Marka, cidade a 100 quilômetros ao sul de Mogadíscio, declarou à Agência Reuters: "Se nada for feito, acabarão com todo o pescado de todo o litoral da Somália".
Esse é o contexto do qual nasceram os "piratas" somalis. São pescadores somalis, que capturam barcos na tentativa de assustar e dissuadir os grandes pesqueiros; ou, pelo menos, como meio de extrair deles alguma compensação. Chamam-se "Guarda Costeira Voluntária da Somália". A maioria dos somalis os conhece sob essa designação. Pesquisa divulgada pelo site somali independente WardheerNews informa que 70% dos somalis "aprovam firmemente a pirataria como forma de defesa nacional".
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Bom, hein???!!! Nossa "imprensa" nada informa disso. Mas o Independent, sim. O texto é do repórter multiuso Johann Hari, que tem um site aqui, já com a coluna dele de amanhã no jornal. O título desse texto acima é "Estão te mentindo sobre os piratas". A íntegra, superinteressante, está na minha pagineta do Google Sites. Se não conseguir abrir lá (não entendo aquilo direito...), leia no Radis na Rede. sob o título "Mentiras sobre piratas" (role a coluna até achar, tá?). E não deixe de clicar na foto para ver um trabalho fotográfico impactante sobre os piratas somalis. A tradução do texto é da minha querida Caia Fittipaldi, marxista-leninista-stalinista-trotskista-maoista e o que mais se precisa ser hoje em dia para estar enquadrado na esquerda.
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Por sinal, tem Radis nova na rede. Sobre Carlos Chagas. Aposto que vocês sabem pouco desse gênio brasileiro, cuja descoberta -- o vetor, o protozoário e a doença de Chagas -- é feito único na medicina que completa 100 anos neste 2009. Vamos contar um pouco da saga de Chagas em todas as edições até dezembro. Na próxima (junho) trataremos das contestações aos achados dele. É emocionante, gente.
Se quiser ver os bonitos efeitos de papel envelhecido que o Aristides criou para a edição impressa, leia o pdf. É pesadim (5 Mb), mas vale a pena. A linha do tempo ficou maneira, com muita informação.