Gosto do Elio Gaspari, até o respeito, mas sua fidelidade cega a Golbery e Geisel já encheu o saco. Na coluna de ontem (10/6) ele critica os que querem trocar o nome infame da Rodovia Castelo Branco -- e confunde quintilhões de bugalhos com trocentos alhos. O absurdo começa com o título: "Uma patrulha ideológico-rodoviária". PATRULHA??? Então querer tirar o nome de um golpista cretino de uma estrada é patrulha?
Mas piora. Ele fala do "marechal eleito pelo Congresso depois da deposição de João Goulart", como se a eleição no Congresso tivesse sido constitucional e legítima e a deposição do Jango, um fenômeno natural. Em seguida compara os 3 anos de ditadura de Castelo aos 8 de Vargas. Ora, Vargas pode ter sido um ditador escroto, e era, mas depois foi eleito. E graças a ele temos as ameaçadas CLT, que os amigos do Gaspari querem tanto "flexibilizar", e Petrobras, que os amigos do Gaspari querem tanto privatizar.
Qual o problema de trocar o nome das ruas que homenageiam escravocratas e canalhas em geral? Troquemos! Eu, por exemplo, me recuso a chamar o Viaduto São Sebastião de 31 de março (eca...) e a Ponte Rio-Niterói de Costa e Silva (bleargh!). Não houve uma só vez em minha carreira de escriba que tenha usado esses nomes odiosos em matérias que citassem tais "logradouros".
Ainda fala de "ditadura envergonhada"... ou seria ditabranda? Sai! Nunca vi ditadura mais sem-vergonha! Então, não torra. Paixões escusas a gente alimenta na surdina, não leva a público. Bem que ele propôs por intermédio do meu chefe na Veja, logo que fui libertada do DOI-Codi, que eu fosse "fazer um relato" ao Golbery do que tinha passado na Tutoia. "Vários ex-presos já foram, para colaborar com a abertura", era o argumento. Pedi pra pensar e ignorei o convite. Imagine, dar depoimento a Golbery, manipulador safado que posava de democrata enquanto cooptava jornalistas para manter seu podre poderzinho e tocar a ditadura.
Espero alguma reação a esta sandice. Alguém viu alguma? Se sim, me informe, por favor!
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Uma patrulha ideológico-rodoviária
Elio Gaspari
Um deputado estadual paulista apresentou um projeto de lei que poderá abrir o caminho para a cassação de nomes de ruas, avenidas e estradas. A Rodovia Castello Branco, que liga São Paulo ao Oeste do Estado, seria renomeada, trocando-se o nome do marechal eleito pelo Congresso depois da deposição de João Goulart pelo de um baluarte da democracia, como D. Hélder Câmara, por exemplo. A designação de logradouros passaria pela peneira de um Conselho de Direitos humanos.
O projeto dificilmente será aprovado. Se virar lei, não haverá de funcionar, a menos que se consiga uma justificativa politicamente correta para as ruas e avenidas que homenageiam escravocratas do Império. Mesmo assim, ele tem a virtude de provocar um bom debate, daqueles em que se entra com uma certeza e sai-se melhor, com algumas dúvidas.
Tudo bem, o marechal Castello Branco, titular de uma ditadura envergonhada, presidiu o país de 1964 a 1967 e, pelos crimes praticados em seu governo, não poderia ser nome de rodovia. E o que se vai fazer com as avenidas Presidente Vargas espalhadas por todo o Brasil? A ditadura de Castello durou três anos. A de Getúlio Vargas, oito.
Nesse caso, não se poderia mexer nos nomes dados às ruas? Aí surge o problema da Rua Sérgio Fleury, localizada na cidade de São Carlos. O chefe dos janízaros (civis) da ditadura, sócio fundador do Esquadrão da Morte, foi homenageado em 1980 pela Câmara dos Vereadores da cidade. Há um mês, a mesma Câmara, por unanimidade, cassou a denominação e uma pesquisa informa que 75% dos moradores apoiam a mudança.
Às vezes esses troca-trocas acabam em palhaçada. Em 1897 a imprensa que cobria o terceiro ataque ao Arraial de Canudos contou, emocionada, a história do Cabo Roque, que morreu protegendo o corpo do comandante da expedição. Rebatizaram com seu nome a Travessa do Ouvidor, até que o Cabo Roque apareceu no Rio, vivo.
Em outros casos as paixões prevalecem e acabam confundidas com a paisagem. Raros são os cariocas que se dão conta de uma dissonância quando chegam à Praça Tiradentes. Lá está a linda estátua equestre de D. Pedro I, neto da maluca Maria, em cujo reinado enforcaram o alferes. A praça chamava-se Constituição e o nome foi trocado nas celebrações do golpe republicano. Obrigaram o neto a ocupar o chão de uma vítima da avó.
Quando os moradores de uma rua declaram-se ofendidos pelo nome que meia dúzia de vereadores lhes impuseram, é razoável que o pleito seja atendido. Fora daí, a História ao país pertence. Não há como fugir dela sem o recurso ao autoritarismo político.
Em Montgomery, capital do Alabama e da confederação rebelde durante a Guerra da Secessão, há um cruzamento que resolve controvérsias desse tipo. Passada a Guerra Civil, os brancos se acertaram e impuseram aos negros um regime de segregação. Nessa nova harmonia, deu-se a uma avenida da cidade o nome de Jefferson Davis, presidente do Sul rebelado.
Passou o tempo e uma comerciária negra se recusou a dar o lugar para um branco num ônibus da cidade. Foi presa, desencadeou um boicote e o mundo soube da existência de um pastor chamado Martin Luther King. Ela se chamava Rosa Parks e morreu em 2005. Uma das avenidas de Montgomery recebeu o seu nome. Ela cruza a Jeff Davis, criando quatro gloriosas esquinas.
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