segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Otan, EUA e al-Qaeda assim, ó!

Via @VilaVudu (imagens -- todas do Google Image -- acrescentadas por mim)

Como a al-Qaeda chegou ao poder em Trípoli

Pepe Escobar

Asia Times Online, 30/8/2011


Abdelhakim Belhadj
O nome do homem é Abdelhakim Belhaj. Alguns o conhecem no Oriente Médio, mas poucos no ocidente algum dia ouviram seu nome.

Vamos por partes. Porque a história de como um comandante da al-Qaeda acabou por converter-se no principal comandante militar líbio na cidade de Trípoli ainda em guerra, põe por terra – mais uma vez – a selva de espelhos que se conhece como “guerra ao terror”, além de abalar profundamente toda a propaganda de uma “intervenção humanitária” tão cuidadosamente inventada para encobrir a intervenção militar, pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), na Líbia.

A fortaleza de Bab-al-Aziziyah, onde vivia Muammar Gaddafi foi invadida e conquistada, semana passada, quase exclusivamente por homens de Belhaj – que constituíam a linha de frente de uma milícia de berberes das montanhas do sudoeste de Trípoli. Essa milícia é a chamada hoje “Brigada de Trípoli”, que recebeu treinamento secreto, durante dois meses, de Forças Especiais dos EUA. Ao longo de seis meses de guerra civil/tribal, essa seria a milícia mais efetiva dos ‘rebeldes’.

Na 3ª-feira passada, Belhaj vangloriava-se de como havia vencido, com as forças de Gaddafi escapando “como ratos” (a mesma metáfora que Gaddafi usou, referindo-se aos ‘rebeldes’).

Abdelhakim Belhaj, também conhecido como Abu Abdallah al-Sadek, é jihadista líbio. Nascido em maio de 1966, aperfeiçoou seus saberes com os mujahideen da Jihad antissoviética dos anos 1980s no Afeganistão.

É fundador do Grupo de Combate Islâmico Líbio [ing. Libyan Islamic Fighting Group (LIFG)] do qual é o principal comandante – com Khaled Chrif e Sami Saadi como assessores e representantes. Depois que os Talibã assumiram o poder em Kabul em 1996, o LIFG criaram dois campos de treinamento no Afeganistão; um deles, 30 km ao norte de Kabul – comandado por Abu Yahya – exclusivo para jihadistas ligados à al-Qaeda.

Depois do 11/9, Belhaj mudou-se para o Paquistão e para o Iraque, onde esteve em contato com ninguém menos que o ultra linha-dura Abu Musab al-Zarqawi – tudo isso antes que a al-Qaeda no Iraque se declarasse a serviço de Osama bin Laden e Ayman al-Zawahiri e super ultra turbinasse suas práticas nefandas.

No Iraque, os líbios formavam o maior contingente de jihadistas sunitas estrangeiros, perdendo só para os sauditas. Além disso, os jihadistas líbios sempre foram superstars no mais alto escalão da Al-Qaeda “histórica” – de Abu Faraj al-Libi (comandante militar até ser preso em 2005, e hoje um dos 16 detentos “de mais alto valor” no centro de detenção dos EUA em Guantánamo), a Abu al-Laith al-Libi (outro alto comandante militar, morto no Paquistão no início de 2008).

Uma “entrega (muito) especial”[1]

O LIFG está nos radares da Agência Central de Inteligência (CIA) dos EUA desde o 11/9. Em 2003, Belhaj foi afinal preso na Malásia – e transferido pela via das “entregas especiais”, para uma prisão secreta em Bangkok onde foi devidamente torturado.

Em 2004, os norte-americanos decidiram mandá-lo, como presente, para a inteligência da Líbia – até que foi libertado pelo governo Gaddafi, em março de 2010, com outros 211 “terroristas”, em golpe de propaganda divulgado com muito alarde.

Saif no Opera Ball em Viena
O orquestrador de tudo isso foi ninguém menos que Saif Islam al-Gaddafi – a face modernizadora à moda da London School of Economics do regime. Os comandantes do LIFG – Belhaj e seus dois assessores Chrif e Saadi – divulgaram uma confissão de 417 páginas, chamada “Estudos Corretivos”, na qual declararam o fim da Jihad contra Gaddafi (também a declararam ilegal). Em seguida, foram postos em liberdade.

Relato fascinante de todo esse processo pode ser encontrado num relatório intitulado “Combatendo o Terrorismo na Líbia com Diálogo e Reintegração” [orig. Combating Terrorism in Libya through Dialogue and Reintegration]. Observe-se que os autores “especialistas” em terrorismo sediados em Cingapura, e que o regime cevava com vinhos e jantares, manifestam “o mais profundo agradecimento a Saif al-Islam Gaddafi e à fundação Gaddafi International Charity and Development, que tornaram possível essa visita”.

Interessa observar que isso durou até 2007, quando o número 2 da al-Qaeda, Zawahiri, anunciou oficialmente a fusão do Grupo de Combate Islâmico Líbio [ing. Libyan Islamic Fighting Group (LIFG)] com a al-Qaeda no Mahgreb Islâmico [ing. Al-Qaeda in the Islamic Mahgreb (AQIM)]. Desde então, para todas as finalidades práticas, LIFG/AQIM passaram a ser um e o mesmo grupo, do qual Belhaj era/é o principal comandante e emir.

Em 2007, o Grupo de Combate Islâmico Líbio [ing. Libyan Islamic Fighting Group (LIFG)] estava convocando uma Jihad contra Gaddafi, mas também contra os EUA e sortido grupo de “infiéis” ocidentais.

Rode a fita adiante, até fevereiro passado. É quando, afinal livre da prisão, Belhaj resolveu voltar ao modo Jihad e alinhar seus soldados com o ‘levante’ de ‘rebeldes’ que começava a ser plantado na Cirenaica [ver aqui o que é Cirenaica (nota deste blog)].

Todas as agências de inteligência nos EUA, Europa e em todo o mundo árabe sabem de onde brotou Belhaj. Mesmo que não soubessem, o próprio Belhaj já disse na Líbia que o único interesse, seu e de suas milícias, é implantar a lei da sharia.

Não há, nem parecido, nisso tudo, qualquer processo “pró-democracia” – nem que se tente a mais complexa ginástica imaginativa. Mas, ao mesmo tempo, força de tal importância não seria apeada da guerra da OTAN só porque não gosta muito de “infiéis”.

Foto AP
O assassinato no fim de julho do comandante dos ‘rebeldes’ general Abdel Fattah Younis – morto pelos próprios ‘rebeldes’ – parece apontar diretamente para Belhaj ou, no mínimo, para gente próxima dele.

É importante saber que Younis – antes de desertar do governo Gaddafi – foi responsável, no governo líbio, pelo combate feroz que as forças especiais líbias moveram contra o Grupo de Combate Islâmico Líbio [ing.Libyan Islamic Fighting Group na Cirenaica, de 1990 a 1995.

O Conselho Nacional de Transição, segundo um de seus membros, Ali Tarhouni, teria deixado ‘vazar’ que Younis foi moto por uma nebulosa brigada, de nome Obaida ibn Jarrah (um dos companheiros do Profeta Maomé). Agora, a tal brigada parece ter-se dissolvido no ar.

Cale o bico, ou arranco sua cabeça

Não pode ser acaso que todos os principais comandantes militares ‘rebeldes’ sejam membros do LIFG, de Belhaj em Trípoli, a um Ismael as-Salabi em Benghazi e certo Abdelhakim al-Assadi em Derna, para nem mencionar figura importantíssima, Ali Salabi, com assento no núcleo do Conselho Nacional de Transição. Saladi foi quem negociou com Saif al-Islam Gaddafi o “fim” da Jihad do Grupo de Combate Islâmico Líbio contra o regime Gaddafi, com o que garantiu para si futuro brilhantíssimo entre esses ressuscitados “combatentes da liberdade”.

Brigada descansa na base em Tiji (Balint Szlanko/AP)
Ninguém precisará de bola de cristal para antever consequências. O grupo unificado LIFG/AQIM – já tendo alcançado poder militar e assentado entre os “vencedores” – nem remotamente desistirá do poder, só para satisfazer os anseios da OTAN.

Simultaneamente, entre a névoa da guerra, ainda não se sabe se Gaddafi planeja atrair a Brigada de Trípoli para um cenário de guerrilha urbana ou se arrastará atrás de si as milícias ‘rebeldes’, atraindo-as para o coração dos territórios da tribo Warfallah.

A esposa de Gaddafi é da tribo Warfallah, a maior da Líbia, com mais de 1 milhão de almas e 54 subtribos. Diz-se pelos corredores em Bruxelas que a OTAN prevê que Gaddafi lutará durante meses, se não anos; daí o prêmio (“Procurado vivo ou morto”) à moda texana de George W Bush, pela cabeça de Gaddafi e a volta desesperada da OTAN ao plano A (o golpe militar para derrubar Gaddafi).

É possível que a Líbia enfrente hoje o duplo espectro de uma Hidra guerrilheira de duas cabeças: forças de Gaddafi contra um governo central fraco do Conselho Nacional de Transição e tropas da OTAN em terra na Líbia; e a nuvem de Jihadistas do conglomerado LIFG/AQIM em Jihad contra a OTAN (se forem afastados do poder).


É possível que Gaddafi não passe de relíquia ditatorial do passado. Mas ninguém monopoliza o poder por 40 anos por nada e sem que seus serviços de inteligência nada descubram de aproveitável.


Desde o primeiro dia, Gaddafi disse e repetiu que o ataque contra a Líbia era operação da al-Qaeda e/ou operação local com financiamento estrangeiro. Esteve certo, portanto, desde o primeiro dia – embora tenha esquecido de dizer que, sobretudo, sempre foi guerra inventada pelo neonapoleônico presidente Nicolas Sarkozy da França (mas essa já é outra história).


Gaddafi também disse que seria o prelúdio da ocupação estrangeira, cuja meta é privatizar e roubar os recursos naturais da Líbia. Parece que acertou – também nisso.


Os “especialistas” de Cingapura que elogiaram a decisão do regime de Gaddafi de libertar os Jihadistas do Grupo de Combate Islâmico Líbio disseram que seria “estratégia necessária para mitigar a ameaça que pesa contra a Líbia”. Hoje, o que se vê é que o conjunto LIFG/AQIM – quer dizer, a al-Qaeda – conseguiu posicionar-se para exercer suas opções como “força política (líbia) local”.


Dez anos depois do 11/9, não é difícil imaginar que, no fundo do Mar da Arábia, há um crânio decomposto que, esse sim, está rindo por último. E lá ficará. Rindo.

Nota Vila Vudu
[1] Orig. extraordinary rendition. Em inglês, essa expressão designa o processo ilegal, mas usado frequentemente durante o governo Bush, nos primeiros movimentos da “guerra ao terror” pelo qual prisioneiros presos num país são entregues a outro para serem interrogados [ver aqui].

sábado, 27 de agosto de 2011

Africanos dizem basta à ONU

A confusão na Líbia deixa louco qualquer ser minimamente democrático e ao mesmo tempo defensor da nao ingerência nos assuntos internos dos países. Quem não fica feliz com a saída do Kadafi, um sujeito voluntarista no comando do país há mais de 40 anos? Mas quem pode ficar feliz com a destruição da Líbia pela Otan, a pretexto de "evitar genocídio" e apoiar os rebeldes, que sabe-se lá quem são numa região dividida há milênios por tribos inimigas?

Então, achei muito útil esta carta dos intelectuais africanos que o Coletivo de Tradutores @VilaVudu divulgou por e-mail (é do dia 11, mas ainda não tinha visto). Primeiro porque situa claramente a ONU e seu Conselho de Segurança como organismos a serviço dos interesses das potências militaristas mais fortes; segundo porque exige a cessação imediata dos ataques da Otan, que acabaram com a Líbia. (As imagens foram acrescentadas por mim).

***

Líbia, África e a Nova Ordem Mundial

Carta Aberta dos Intelectuais Africanos
Rosebank, Johannesburg, África do Sul
11/8/2011


Nós abaixo-assinados somos cidadãos africanos comuns, todos imensamente condoídos e indignados, vendo que africanos como nós estão submetidos aos horrores da guerra, atacados por potências estrangeiras que claramente repudiaram a visão nobre e relevante inscrita na Carta das Nações Unidas[1].

A ação de escrever essa carta é inspirada por nosso desejo, não de escolher lados, mas de proteger a soberania da Líbia e o direito do povo líbio de escolher seus líderes e determinar o próprio destino.

A Líbia é país africano.

Ataque da Otan a Misrata (CNN, 27/4?11)
Dia 10 de março, o Conselho de Paz e Segurança da União Africana aprovou importante resolução (3) na qual se delineou o mapa do caminho para encaminhar a solução do conflito líbio, consistente com os deveres da União Africana nos termos do Capítulo VIII da Carta das Nações Unidas.

Quando o Conselho de Segurança da ONU aprovou sua Resolução n. 1.973, sabia da decisão da União Africana, anunciada sete dias antes.

Ao decidir ignorá-la, o Conselho de Segurança deliberadamente contribuiu para subverter a lei internacional, além de comprometer a legitimidade da ONU aos olhos dos povos africanos.

Desde então, por outros caminhos, tem ajudado a promover e aprofundar processo imensamente pernicioso de marginalizar a África entre as demais nações do mundo, também no que tenha a ver com solucionar os problemas do continente.

Indiferente ao que determina a Carta das Nações Unidas, o Conselho de Segurança da ONU declarou sua guerra privada contra a Líbia, dia 17/3/2011.

O Conselho de Segurança deixou-se manipular pelo que o International Crisis Group (ICG), em seu Relatório sobre a Líbia, de 6/6/2011[2], descreve como “matérias jornalísticas sensacionalistas segundo as quais o regime líbio estaria usando sua Força Aérea contra manifestantes”.

Assim (mal) informado, o CS-ONU aprovou a Resolução n. 1.973, que autorizava que se impusesse uma “zona aérea de exclusão” sobre a Líbia e que se tomassem “todas as medidas necessárias (...) para proteger civis e área populosas sob ameaça da Jamahiriya Líbia Árabe (...)”.

Assim, sobretudo, o Conselho de Segurança usou o conceito altamente controverso e sob o qual não há consenso entre os especialistas em direito internacional da “responsabilidade/direito de proteger”, chamado R2P, para justificar a intervenção militar de que trata o Capítulo VII, na Líbia.

Sob essa duvidosa cobertura, o Conselho de Segurança da ONU já cometeu longa lista de agressões que configuram a transformação desse Conselho em instrumento a serviço dos desejos dos estados militarmente mais poderosos dentre seus estados-membros.

Até agora, o Conselho de Segurança não conseguiu apresentar nenhuma evidência de sua autorização para o uso da força nos termos do Capítulo VII da Carta da ONU tenha sido resposta proporcional e adequada a uma situação que, na Líbia, e depois da intervenção militar, foi convertida em guerra civil.

Em seguida, o Conselho de Segurança ‘terceirizou’ ou ‘subcontratou’ a implementação de sua resolução para a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), admitindo que essa aliança militar agisse como uma “coalizão de vontades”.

O Conselho de Segurança não cuidou de implantar qualquer mecanismo ou processo para supervisionar os ‘serviços’ do exército ‘subcontratado’, de modo a garantir que as provisões de suas Resoluções fossem completamente e satisfatoriamente atendidas.

Tampouco fez qualquer esforço para monitorar e analisar as ações da OTAN ‘subcontratada’.

O Conselho de Segurança permitiu que se estabelecesse um “Grupo de Contato” sem qualquer legitimidade e sem autorização legal formal – mais uma “coalizão de vontades” – que, de fato, desconstituiu a própria autoridade do Conselho de Segurança como autoridade competente para interferir no futuro da Líbia.

Confirmando essa desconstituição inadmissível, em reunião do dia 15/7/2011 em Istambul, esse “Grupo de Contato” “reafirmou que o Grupo de Contato continua como plataforma adequada e ponto focal de contato com o povo líbio, para coordenar a política internacional e ser um fórum de discussão do apoio humanitário e apoio pós-conflito”.

Dada a omissão do Conselho de Segurança, as duas “coalizões de vontades” – a OTAN e o “Grupo de Contato” –, de fato e para todos os efeitos, reescreveram a Resolução n. 1.973.

Assim, as tais “coalizões de vontades” abertamente assaltaram um poder que legitimamente só o Conselho de Segurança poderia ter e puseram-se a trabalhar para derrubar o governo líbio, golpe que passou a ser designado como ‘mudança de regime’. Para esse objetivo, passaram a usar da força e de todos os meios para derrubar o governo líbio – objetivo que absolutamente nada tem a ver com as decisões do Conselho de Segurança da ONU.

Mediante esses artifícios e sem qualquer atenção às Resoluções n. 1.970 e 1.973, aquelas “coalizões de vontades” atreveram-se a declarar ilegítimo o governo da Líbia e a proclamar um ‘conselho nacional de transição’ organizado em Benghazi como “legítima autoridade governante na Líbia”.

O Conselho de Segurança da ONU é hoje absolutamente incapaz de explicar como as decisões tomadas pela OTAN e pelo “Grupo de Contato” teriam algo a ver com a questão crucial de “facilitar o diálogo com vistas às reformas políticas necessárias para encontrar solução pacífica e sustentável” para o conflito na Líbia.

As ações de seus ‘subcontratados’ – a OTAN e o “Grupo de Contato” – converteram a ONU em parte beligerante no conflito líbio, desnaturando a Organização cujo papel só poderia ser de pacificador neutro e equidistante, igualmente, das duas facções armadas que disputam o poder na Líbia.

Não bastasse, o Conselho de Segurança optou por repudiar a lei internacional, ao deliberadamente ignorar o que determina o Capítulo VIII da Carta das Nações Unidas sobre o papel das instituições regionais legítimas.

A ‘guerra ao terror’ de George W. Bush contra o Iraque começou dia 20/3/2003. No dia seguinte, 21/3/2003, o jornal britânico The Guardian publicou um curto artigo assinado pelo conhecido neoconservador norte-americano Richard Perle, sob o título “Graças a Deus a ONU morreu. Seu fracasso abjeto só nos trouxe anarquia. O mundo precisa de ordem”[3].

Mas toda a arquitetura global do pós-Segunda Guerra Mundial, para manutenção da paz e da segurança internacionais centravam-se no respeito à Carta das Nações Unidas.

Hoje, o Conselho de Segurança da ONU deve saber que, pelo menos no que tenha a ver com a Líbia, atuou de modo que resultou em, e levou a, perder toda a autoridade moral para efetivamente presidir a discussão e o encaminhamento de processos criticamente importantes para que se alcance a paz global e se realize o objetivo da coexistência pacífica entre os povos do mundo.

Ao arrepio de tudo o que determina a Carta das Nações Unidas, o Conselho de Segurança autorizou e permitiu a anarquia que se abateu sobre o povo líbio.

Ao final disso tudo, o que se vê é que:

– muitos foram mortos ou aleijados;

– grande parte da infraestrutura do país foi destruída, o que empobreceu ainda mais o povo líbio;

– a animosidade e as fissuras que dividem o povo líbio foram aprofundadas;

– a possibilidade de chegar-se a um acordo negociado, inclusivo e estável tornou-se menor que nunca;

– a instabilidade aumentou em todos os países vizinhos da Líbia, sobretudo nos países do Sahel africano (Sudão, Chad, Niger, Mali e Mauritânia) [imagem ao lado];

– a África herdará desafio muito maior e mais difícil no que tenha a ver com questões de paz e estabilidade e, portanto, afastar-se-á ainda mais da via do desenvolvimento sustentável; e

– os que intervieram para perpetuar a violência e a guerra na Líbia fixarão os parâmetros sob os quais os líbios poderão decidir sobre o próprio destino e, assim, tornarão ainda mais limitado o exíguo espaço no qual os africanos lutam pelo seu direito a autodeterminação.

Como africanos, antevimos um futuro em que seríamos atores relevantes num sistema de relações internacionais justas, confiando que a ONU realmente zelaria pelo seu direito legítimo de atuar como “as fundações da nova ordem mundial”,

O Relatório do ICG citado acima diz:

“O que se pode prever para a Líbia, mas também para todo o norte da África, é cada vez mais terrível, a menos que se encontre meio pelo qual induzir os dois lados envolvidos no conflito armado na Líbia a negociar um acordo que permita transição pacífica para um estado pós-Gadaffi, pós-Jamahiriya, e que seja estado considerado legítimo pelo povo líbio. Uma saída política é, de longe, a melhor solução possível, ante a dificílima situação criada pelo impasse militar.” 2

Quando Richard Perle escreveu em 2003 sobre o “fracasso abjeto da ONU”, reclamava contra a ONU ter-se recusado a curvar-se ante a ditadura da única superpotência mundial, os EUA.

A ONU assumiu aquela posição, porque estava consciente da, e inspirada por, sua obrigação de agir como verdadeira representante de todos os povos do mundo, nos termos de abertura da Carta das Nações Unidas: “Nós, os povos das nações unidas, resolvidos a preservar as gerações vindouras do flagelo das guerras...”1

Contudo, e tragicamente, oito anos depois, em 2011, o Conselho de Segurança da ONU abandonou qualquer compromisso com essa determinação.

Açoitado pela humilhante experiência de 2003, quando os EUA demonstraram que o único poder é a violência, o Conselho de Segurança decidiu que mais fácil seria submeter-se à violência dos poderosos, que honrar o dever de respeitar o soberano desejo dos povos – também das nações africanas, é claro. Então divulgou a mensagem de que aceitava nada ser além de instrumento nas mãos dos senhores da violência mais brutal, os mais brutais no sistema das relações internacionais, e que a violência, portanto, passaria a comandar a ordenação dos negócios humanos.

Como africanos, temos de levantar-nos e reafirmar nosso direito e nosso dever de determinar nosso destino, na Líbia e em qualquer outro ponto de nosso continente.

Exigimos que todos os governos, em todos os cantos do mundo, também na África, que almejem alcançar genuíno respeito dos governados, como nós, ajam imediatamente para reafirmar “a lei pela qual todas as nações possam viver dignamente”.

Exigimos que:

– tenha fim imediatamente a guerra de agressão da OTAN contra a Líbia;

– a União Africana seja apoiada para implementar seu plano para ajudar o povo líbio a alcançar a paz, a democracia, prosperidade partilhada e a reconciliação, numa Líbia unida; e que

– o Conselho de Segurança aja imediatamente para cumprir suas responsabilidades, como definidas na Carta das Nações Unidas.

Os que desencadearam tempestade mortal de bombas sobre a Líbia não devem persistir na autoilusão de que o aparente silêncio dos milhões de africanos signifique qualquer tipo de aprovação à campanha de morte, destruição e dominação que aquela tempestade parece assegurar.

Estamos confiantes. Reemergiremos vitoriosos, por mais que façam os semeadores de morte dos mais poderosos exércitos do mundo.

Responderemos na prática da vida e como africanos. Em todos os momentos e pelos meios necessários, agiremos resoluta e deliberadamente para defender o direito de os africanos da Líbia decidirem o próprio futuro e, por essa via, defenderemos o direito e o dever de todos os africanos determinarmos nosso destino.

O Mapa do Caminho proposto pela União Africana[4] ainda é o melhor caminho para garantir a paz ao povo da Líbia.

[seguem-se 140 assinaturas de intelectuais, artistas, professores, religiosos, políticos e personalidades africanos]

[1] Em português, em http://www.oas.org/dil/port/1945%20Carta%20das%20Na%C3%A7%C3%B5es%20Unidas.pdf

[2] Em http://www.crisisgroup.org/en/regions/middle-east-north-africa/north-africa/libya/107-popular-protest-in-north-africa-and-the-middle-east-v-making-sense-of-libya.aspx (em inglês).

[3] “Thank God for the death of the UN. Its abject failure gave us only anarchy. The world needs order”, 21/3/2003, Richard Perle, The Guardian, UK, em http://www.guardian.co.uk/politics/2003/mar/21/foreignpolicy.iraq1.

[4] “African Union proposes Libya roadmap to peace”, 10/4/2011, http://www.socialistunity.com/?p=7976 (em inglês).

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Dilma, uma fala margarida!

“Eu quero intensificar o diálogo do governo com vocês. Tenho certeza de que o debate com os movimentos sociais é fundamental. E tenho certeza de que as críticas e as sugestões são essenciais e muito bem vindas, pois permitem que façamos cada vez melhor, que possamos, juntas, construir o Brasil que queremos: um país sem miséria, um país rico (…) e um país mais justo e menos desigual”
Discurso no encerramento da Marcha das Margaridas, evento das brasileiras do campo. Mais aqui.

Darcus Howe, um cidadão

Como disse o Marco Aurélio (meu filho, não o ministro do STF), "que síntese da contemporaneidade"! Ouçam a fala deste homem, arrepiem-se com a dignidade e altivez dele! Pra quem nao entender inglês, a história desse mico histórico da BBC estä contada no Viomundo.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Direito ao aborto, novos bombardeios


Meu querido companheiro Anibal Guimarães (falei dele nesta matéria aqui) envia e-mail assustador, com um alerta: a íntegra de uma nota da Sociedade de Bioética do Estado do Rio de Janeiro – regional da SBB que analisa o odioso, fascista e beato Projeto de Lei 416/2011 (íntegra aqui), aparentemente de "prevençao ao aborto" -- sim, estao ficando espertos, aprendem a dourar a pílula de seu mediaevalismo, mas fundamentalmente ofensivo à mulher, a seus direitos e ao SUS. Há dois outros assemelhados -- o federal me fez chorar --, aqui e aqui, devidamente inseridos no arquivo "Vomitório" do meu Google Docs. Quem me cedeu essas íntegras, poupando-me o trabalho de ir ao site da Alerj ou da Câmara, foi a @lessinha_nane, do excelente tumblr Fiscais de Fiofó S/A, no qual denuncia projetos de lei "de relevante alcance social propostos pela Frente Parlamentar dos Fiscais do Fiofó Alheio, também conhecida pela singela alcunha de Frente Parlamentar Evangélica". Ela acrescenta: "Este tumblr é baseado em fatos reais, qualquer semelhança com um Estado Laico terá sido mera coincidência". Bom demais!

Abaixo, a nota da SBRio (as imagens do texto foram inseridas por mim):

***

NOTA DA DIRETORIA

A diretoria da regional Rio de Janeiro da Sociedade Brasileira de Bioética, após cuidadosa análise do Projeto de Lei 416/2011, apresenta à sociedade fluminense as seguintes considerações para fundamentar sua posição contrária à aprovação do mesmo.

Entendemos que o projeto em questão representa um retrocesso dos pontos de vista moral, social, político e sanitário, por negar direitos fundamentais já garantidos no território nacional e pactuado em acordos internacionais (declaração do Cairo e de Beijing).

O Brasil garante o respeito à dignidade da pessoa ao garantir às mulheres seu direito à autodeterminação no que diz respeito aos direitos reprodutivos e ao acesso ao planejamento familiar (inclusive métodos contraceptivos, aí incluída a anticoncepção de emergência, a "pílula do dia seguinte", já normatizados pelo Ministério da Saúde).

O projeto faz uso indevido do conceito de pessoa, cuja aplicação a embriões e fetos é altamente controversa, já que não existe fundamentação aceitável que a sustente. Além disso, o projeto apresenta argumentos cientificamente falaciosos, induzindo o leitor a uma interpretação equivocada da questão.

Nota-se igualmente no referido projeto um absurdo ao equiparar casos de estupro com casos de gravidezes acidentais ou indesejadas. Tal postura é inaceitável e injustificável. Entendemos também que a defesa do direito ao aborto é inseparável da defesa dos direitos reprodutivos das mulheres e também inseparável de uma boa vida qualificada.

Todos os cuidados de saúde propostos pelo projeto já são obrigações do SUS, não fazendo sentido um projeto específico para esses cuidados.

Quanto à questão do abandono de incapazes, entendemos que o problema que vem sendo observado em algumas cidades brasileiras está diretamente relacionado com a proibição do aborto, falta de acesso a métodos contraceptivos e a profunda injustiça social que marca nossa sociedade. Pode sim haver um Programa de proteção a essa criançada abandonada, mas também a possibilidade de se garantir a essas mães o direito de impedir a gravidez ou mesmo o seu prosseguimento.

***

A nota é assinada pelo querido professor (Ensp/Fiocruz) Sergio Rego, presidente da SBRio.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Amorim, sereno: paz e cooperação!

Roberto Stuckert Filho/PR (8/8/11)
Meu amado ministro mandou muito bem! E a Dilma, mais ainda ao escolhê-lo!

(via @VilaVudu)

***

Brasília, 08/08/2011 – A presidenta da República, Dilma Rousseff, empossou nesta segunda-feira à tarde o novo ministro da Defesa, Celso Amorim, em solenidade realizada no Palácio do Planalto. Confira a íntegra do discurso de Amorim por ocasião da cerimônia de posse no cargo. O texto não inclui improvisos feitos ao longo da fala.

Palavras do ministro de Estado da Defesa, Celso Amorim, por ocasião da cerimônia de posse no cargo.

***

Antes de mais nada, agradeço o honroso convite da presidenta da República, Dilma Rousseff, para assumir a pasta da defesa.

Sou grato pela confiança e pela oportunidade de participar dessa importante etapa da longa transição do Brasil rumo a uma sociedade mais livre, mais justa e mais igualitária.

Serei breve.

A realidade de uma política pública complexa e multifacetada como a Defesa não oferece espaço à pretensão.

De maneira serena, cabe a mim neste momento mais ouvir do que falar – sem com isso me furtar ao diálogo franco e transparente.

Identifico nos militares valores dignos de admiração:

- patriotismo;
- abnegação;
- zelo pela coletividade;
- respeito à hierarquia e à disciplina.

Graças a importantes iniciativas levadas a cabo em governos anteriores, e mais particularmente durante o governo do presidente Lula, o panorama da Defesa nacional é qualitativamente distinto do cenário em que nos encontrávamos no início da redemocratização.

Contamos com Forças Armadas profissionais e plenamente conscientes de sua subordinação ao poder democrático civil.

A Estratégia Nacional de Defesa e o Plano de Articulação e Equipamento da Defesa dela decorrente oferecem um horizonte de curto, médio e longo prazo para o setor.

Sob o signo da continuidade que caracteriza os estados que atingiram maturidade democrática, trabalharei para implementá-los.

Farei isso com espírito crítico e de maneira atenta aos ajustes e adaptações que se façam necessários.

Dedicarei esforços ao fortalecimento da indústria nacional de material de emprego militar e à ampliação da autonomia tecnológica de nossas Forças Armadas, em estreita coordenação com os ministérios do Desenvolvimento e da Ciência e Tecnologia.

O momento que vivemos em termos de política industrial reforça essa prioridade.

O aprimoramento da capacidade de operação conjunta entre marinha, exército e aeronáutica, a racionalização de processos e programas e o robustecimento da supervisão do Ministério da Defesa sobre as políticas setoriais das forças são compromissos do titular da pasta.

O Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas terá importante papel nesse processo.

O Instituto Pandiá Calógeras, a ser implantado com celeridade, será importante instrumento de reflexão sobre temas estratégicos e servirá para formar os futuros analistas civis de Defesa.

Imagens dos conflitos em Londres

Nada contra a turma da limpeza, tão branquinha e bonitinha, olha só, gente!

AP

Mas tudo a favor dos revoltosos -- delinquentes safados, né? Segundo um colunista da Folha, tudo do PCC lá deles. Affffe!!!!!! Nenhum esforço para entender a revolta, NADA, tão-somente a projeção da "cultura tucana" que tomou conta deste país!

Mail Online

Mais fotos ótimas aqui (dica do @filipequintans no Twitter).

E, como sempre, as impressionantes big pictures do Boston Globe!

Matthew Lloyd/Getty Images

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