terça-feira, 30 de setembro de 2008

Vou votar nesse rapaz


Se você é do Rio e está sem candidato a vereador, eis uma sugestão. Filho da Heloneida. Só pode ser bom.

Mais lembranças do espectro

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Prometi à Vera e aí está. Quem me mandou o texto foi a Ana Lake.

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Karl Marx manda lembranças

Cesar Benjamin*

As economias modernas criaram um novo conceito de riqueza. Não se trata mais de dispor de valores de uso, mas de ampliar abstrações numéricas. Busca-se obter mais quantidade do mesmo, indefinidamente. A isso os economistas chamam "comportamento racional". Dizem coisas complicadas, pois a defesa de uma estupidez exige alguma sofisticação.

Quem refletiu mais profundamente sobre essa grande transformação foi Karl Marx. Em meados do século 19, ele destacou três tendências da sociedade que então desabrochava:

(a) ela seria compelida a aumentar incessantemente a massa de mercadorias, fosse pela maior capacidade de produzi-las, fosse pela transformação de mais bens, materiais ou simbólicos, em mercadoria; no limite, tudo seria transformado em mercadoria;

(b) ela seria compelida a ampliar o espaço geográfico inserido no circuito mercantil, de modo que mais riquezas e mais populações dele participassem; no limite, esse espaço seria todo o planeta;

(c) ela seria compelida a inventar sempre novos bens e novas necessidades; como as "necessidades do estômago" são poucas, esses novos bens e necessidades seriam, cada vez mais, bens e necessidades voltados à fantasia, que é ilimitada.

Para aumentar a potência produtiva e expandir o espaço da acumulação, essa sociedade realizaria uma revolução técnica incessante. Para incluir o máximo de populações no processo mercantil, formaria um sistema-mundo. Para criar o homem portador daquelas novas necessidades em expansão, alteraria profundamente a cultura e as formas de sociabilidade. Nenhum obstáculo externo a deteria.

Havia, porém, obstáculos internos, que seriam, sucessivamente, superados e repostos. Pois, para valorizar-se, o capital precisa abandonar a sua forma preferencial, de riqueza abstrata, e passar pela produção, organizando o trabalho e encarnando-se transitoriamente em coisas e valores de uso. Só assim pode ressurgir ampliado, fechando o circuito. É um processo demorado e cheio de riscos. Muito melhor é acumular capital sem retirá-lo da condição de riqueza abstrata, fazendo o próprio dinheiro render mais dinheiro.

Marx denominou D - D" essa forma de acumulação e viu que ela teria peso crescente. À medida que passasse a predominar, a instabilidade seria maior, pois a valorização sem trabalho é fictícia. E o potencial civilizatório do sistema começaria a esgotar-se: ao repudiar o trabalho e a atividade produtiva, ao afastar-se do mundo-da-vida, o impulso à acumulação não mais seria um agente organizador da sociedade.

Se não conseguisse se libertar dessa engrenagem, a humanidade correria sérios riscos, pois sua potência técnica estaria muito mais desenvolvida, mas desconectada de fins humanos.

Dependendo de quais forças sociais predominassem, essa potência técnica expandida poderia ser colocada a serviço da civilização (abolindo-se os trabalhos cansativos, mecânicos e alienados, difundindo-se as atividades da cultura e do espírito) ou da barbárie (com o desemprego e a intensificação de conflitos). Maior o poder criativo, maior o poder destrutivo.

O que estamos vendo não é erro nem acidente. Ao vencer os adversários, o sistema pôde buscar a sua forma mais pura, mais plena e mais essencial, com ampla predominância da acumulação D - D". Abandonou as mediações de que necessitava no período anterior, quando contestações, internas e externas, o amarravam. Libertou-se. Floresceu.

Os resultados estão aí. Mais uma vez, os Estados tentarão salvar o capitalismo da ação predatória dos capitalistas. Karl Marx manda lembranças.

* Jornalista e editor, autor de Bom combate (Contraponto, 2006); Folha, 29/9

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The Sopranos

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São 4 da manhã. Religuei o computador para informar: The Sopranos, a melhor série de todos os tempos, (re)estréia no dia 6 de outubro no Warner Channel.

Se você não acompanhou pelo HBO, comece agora. Você nunca viu nada parecido.

Acredite.
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Marx, o espectro que (ainda) ronda o mundo

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Gente, meu guru canadense diz que a esquerda americana morreu. A britânica, porém, vive. Capturei esta entrevista do Hobsbawm na Agência Carta Maior, mas milhões de blogs já a reproduziram em todo o mundo.

Que felicidade! Que todos os demônios nos ajudem a preservar essa agência (eles não aceitam contribuições de pessoas físicas, absurdo!!!).

Atentem para o ano de nascimento de Hobsbawm: 1917! Em Alexandria! É, aquela cidade-farol do Egito! Nos tempos da colonização britânica, claro. Pais: Leopold Percy Hobsbaum, inglês (o escrevente mudou a grafia do nome dele...) e Nelly Grün, austríaca. Viveu os primeiros anos em Viena e Berlim, tempos de convulsão social, pós-Primeira Guerra Mundial. Que sina, hein?

Observem a primeira pergunta do entrevistador. Deve ser a mais longa pergunta já feita a um entrevistado. Mas o que contém de informação... Benzamarx! Não pude evitar alguma adaptação. Mas juro que não prejudiquei.

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ENTREVISTA ERIC HOBSBAWM

A crise do capitalismo e a importância atual de Marx

Marcello Musto (Sin Permiso)

Em entrevista a Marcello Musto, o historiador Eric Hobsbawm analisa a atualidade da obra de Marx e o renovado interesse que vem despertando nos últimos anos, mais ainda agora após a nova crise de Wall Street. E fala sobre a necessidade de se voltar a ler o pensador alemão: “Marx não regressará como uma inspiração política para a esquerda até que se compreenda que seus escritos não devem ser tratados como programas políticos, mas sim como um caminho para entender a natureza do desenvolvimento capitalista”.

Eric Hobsbawm é considerado um dos maiores historiadores vivos. É presidente do Birbeck College (London University) e professor emérito da New School for Social Research (Nova Iorque). Entre suas muitas obras, a trilogia acerca do “longo século 19”: A era da revolução: Europa 1789-1848 (1962); A era do capital: 1848-1874 (1975); A era do império: 1875-1914 (1987) e o livro A era dos extremos: o breve século 20, 1914-1991 (1994), todos traduzidos em vários idiomas.

Entrevistamos o historiador por ocasião da publicação do livro Karl Marx’s Grundrisse. Foundations of the Critique of Political Economy 150 Years Later (Os manuscritos de Karl Marx. Elementos fundamentais para a Crítica da Economia Política, 150 anos depois).

Nesta conversa, abordamos o renovado interesse que os escritos de Marx vêm despertando nos últimos anos e mais ainda agora após a nova crise de Wall Street. Nosso colaborador Marcello Musto entrevistou Hobsbawm para Sin Permiso.

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Marcello Musto: Professor Hobsbawm, duas décadas depois de 1989, quando foi apressadamente relegado ao esquecimento, Karl Marx regressou ao centro das atenções. Livre do papel de intrumentum regni que lhe foi atribuído na União Soviética e das ataduras do “marxismo-leninismo”, não só tem recebido atenção intelectual pela nova publicação de sua obra, como também tem sido objeto de crescente interesse. Em 2003, a revista francesa Nouvel Observateur dedicou um número especial a Marx, com um título provocador: “O pensador do terceiro milênio?”. Um ano depois, na Alemanha, em pesquisa organizada pela televisão ZDF para estabelecer quem eram os alemães mais importantes de todos os tempos, mais de 500 mil espectadores votaram em Karl Marx, que obteve o terceiro lugar na classificação geral e o primeiro na categoria de “relevância atual”.

Em 2005, o semanário alemão Der Spiegel publicou matéria especial que tinha como título “Ein Gespenst Kehrt zurük” (A volta de um espectro), enquanto os ouvintes do programa In Our Time da rádio 4, da BBC, votavam em Marx como o maior filósofo de todos os tempos. Em conversa com Jacques Attali, recentemente publicada, você disse que, paradoxalmente, “são os capitalistas, mais que outros, que estão redescobrindo Marx” e falou também de seu assombro ao ouvir da boca do homem de negócios e político liberal George Soros a seguinte frase: “Ando lendo Marx e há muitas coisas interessantes no que ele diz”. Ainda que seja débil e mesmo vago, quais são as razões para esse renascimento de Marx? É possível que sua obra seja considerada como de interesse só de especialistas e intelectuais, para ser apresentada em cursos universitários como um grande clássico do pensamento moderno que não deveria ser esquecido? Ou poderá surgir no futuro uma nova “demanda de Marx”, do ponto de vista político?

Eric Hobsbawm: Há um indiscutível renascimento do interesse público por Marx no mundo capitalista, com exceção, provavelmente, dos novos membros da União Européia, do leste europeu. Este renascimento foi provavelmente acelerado pelo fato de que o 150° aniversário da publicação do Manifesto Comunista coincidiu com uma crise econômica internacional particularmente dramática em um período de uma ultra-rápida globalização do livre-mercado.

Marx previu a natureza da economia mundial no início do século 21, com base na análise da “sociedade burguesa”, 150 anos antes. Não é surpreendente que os capitalistas inteligentes, especialmente no setor financeiro globalizado, fiquem impressionados com Marx, já que eles são necessariamente mais conscientes que outros sobre a natureza e as instabilidades da economia capitalista na qual eles operam.

A maioria da esquerda intelectual já não sabe o que fazer com Marx. Ela foi desmoralizada pelo colapso do projeto social-democrata na maioria dos Estados do Atlântico Norte, nos anos 1980, e pela conversão maciça dos governos nacionais à ideologia do livre mercado, assim como pelo colapso dos sistemas políticos e econômicos que afirmavam ser inspirados por Marx e Lênin. Os assim chamados “novos movimentos sociais”, como o feminismo, tampouco tiveram conexão lógica com o anticapitalismo (ainda que, individualmente, muitos de seus membros possam estar alinhados com ele) ou questionaram a crença no progresso sem fim do controle humano sobre a natureza que tanto o capitalismo como o socialismo tradicional compartilharam. Ao mesmo tempo, o “proletariado”, dividido e diminuído, deixou de ser crível como agente histórico da transformação social preconizada por Marx.

Devemos levar em conta também que, desde 1968, os mais proeminentes movimentos radicais preferiram a ação direta não-necessariamente baseada em muitas leituras e análises teóricas. Claro, isso não significa que Marx tenha deixado de ser considerado um grande clássico e pensador, ainda que, por razões políticas, especialmente em países como França e Itália, que já tiveram poderosos Partidos Comunistas, tenha havido uma apaixonada ofensiva intelectual contra Marx e as análises marxistas, que provavelmente atingiram seu ápice nos anos oitenta e noventa. Há sinais agora de que a água retomará seu nível.

Marcello Musto: Ao longo de sua vida, Marx foi um agudo e incansável investigador, que percebeu e analisou melhor do que ninguém em seu tempo o desenvolvimento do capitalismo em escala mundial. Ele entendeu que o nascimento de uma economia internacional globalizada era inerente ao modo capitalista de produção e previu que este processo geraria não somente o crescimento e a prosperidade alardeados por políticos e teóricos liberais, mas também violentos conflitos, crises econômicas e injustiça social generalizada. Na última década, vimos a crise financeira do leste asiático, que começou no verão de 1997; a crise econômica Argentina de 1999-2002 e, sobretudo, a crise dos empréstimos hipotecários que começou nos Estados Unidos em 2006 e agora tornou-se a maior crise financeira do pós-guerra. É correto dizer, então, que o retorno do interesse pela obra de Marx está baseado na crise da sociedade capitalista e na capacidade dele de ajudar a explicar as profundas contradições do mundo atual?

Eric Hobsbawm: Se a política da esquerda no futuro será inspirada uma vez mais nas análises de Marx, como ocorreu com os velhos movimentos socialistas e comunistas, isso dependerá do que vai acontecer no mundo capitalista. Isso se aplica não somente a Marx, mas à esquerda considerada como projeto e ideologia política coerente. Posto que, como você diz corretamente, a recuperação do interesse por Marx está consideravelmente – eu diria, principalmente – baseado na atual crise da sociedade capitalista, a perspectiva é mais promissora do que foi nos anos noventa. A atual crise financeira mundial, que pode se transformar em grande depressão econômica nos EUA, dramatiza o fracasso da teologia do livre mercado global descontrolado e obriga, inclusive o governo americano, a escolher ações públicas esquecidas desde os anos trinta.

As pressões políticas já estão debilitando o compromisso dos governos neoliberais em torno da globalização descontrolada, ilimitada e desregulada. Em alguns casos, como a China, as vastas desigualdades e injustiças causadas por uma transição geral a uma economia de livre mercado já colocam problemas importantes para a estabilidade social e mesmo dúvidas nos altos escalões de governo. É claro que qualquer “retorno a Marx” será essencialmente um retorno à análise de Marx sobre o capitalismo e seu lugar na evolução histórica da humanidade – incluindo, sobretudo, suas análises sobre a instabilidade central do desenvolvimento capitalista, que avança a partir de crises econômicas auto-geradas, com dimensões políticas e sociais. Nenhum marxista poderia acreditar que, como argumentaram os ideólogos neoliberais em 1989, o capitalismo liberal havia triunfado para sempre, que a história tinha chegado ao fim ou que qualquer sistema de relações humanas possa ser definitivo para todo o sempre.

Marcello Musto: Você não acha que se as forças políticas e intelectuais da esquerda internacional, que se questionam sobre o que poderia ser o socialismo do século 21, renunciarem às idéias de Marx estarão perdendo um guia fundamental para o exame e a transformação da realidade atual?

Eric Hobsbawm: Nenhum socialista pode renunciar às idéias de Marx, na medida em que sua crença de que o capitalismo deva ser sucedido por outra forma de sociedade está baseada não na esperança ou na vontade, mas numa análise séria do desenvolvimento histórico, particularmente da era capitalista. Sua previsão de que o capitalismo seria substituído por um sistema administrado ou planejado socialmente parece razoável, ainda que certamente ele tenha subestimado os elementos de mercado que sobreviveriam em algum sistema pós-capitalista.

Considerando-se que Marx, deliberadamente, absteve-se de especular acerca do futuro, ele não pode ser responsabilizado pelas formas específicas em que as economias “socialistas” foram organizadas sob o chamado “socialismo realmente existente” [real socialism, expressão dos soviéticos adotada pela ciência política ocidental para descrever aquela lambança toda – nota minha]. Quanto aos objetivos do socialismo, Marx não foi o único pensador que queria uma sociedade sem exploração e alienação, em que os seres humanos pudessem realizar plenamente suas potencialidades, mas foi o que expressou essa idéia com maior força e suas palavras mantêm seu poder de inspiração.

No entanto, Marx não regressará como uma inspiração política para a esquerda até que se compreenda que seus escritos não devem ser tratados como programas políticos, autoritariamente ou de outra maneira, nem como descrições de uma situação real do mundo capitalista de hoje, mas sim como um caminho para entender a natureza do desenvolvimento capitalista. Tampouco podemos ou devemos esquecer que ele não conseguiu realizar uma apresentação bem planejada, coerente e completa de suas idéias, apesar das tentativas de Engels e outros de construir, a partir dos manuscritos de Marx, um volume II e III de O Capital. Como mostram os Grundrisse, aliás. Inclusive, um Capital completo teria conformado apenas uma parte do próprio plano original de Marx, talvez excessivamente ambicioso.

Por outro lado, Marx não regressará à esquerda até que seja abandonada a tendência atual entre os ativistas radicais de converter o anticapitalismo em antiglobalização. A globalização existe e, salvo um colapso da sociedade humana, é irreversível. Marx reconheceu isso como um fato e, como um internacionalista, deu as boas-vindas, teoricamente. O que ele criticou e o que nós devemos criticar é o tipo de globalização produzida pelo capitalismo.

Marcello Musto: Um dos escritos de Marx que suscitaram o maior interesse entre os novos leitores e comentadores são os Grundrisse. Escritos entre 1857 e 1858, os Grundrisse são o primeiro rascunho da crítica da economia política de Marx e, portanto, também o trabalho inicial preparatório do Capital, contendo numerosas reflexões sobre temas que Marx não desenvolveu em nenhuma outra parte de sua criação inacabada. Por que, em sua opinião, estes manuscritos da obra de Marx continuam provocando mais debate que qualquer outro texto, embora os tenha escrito somente para resumir os fundamentos de sua crítica da economia política? Qual é a razão de seu persistente interesse?

Eric Hobsbawm: Do meu ponto de vista, os Grundrisse provocaram impacto internacional tão grande na cena marxista intelectual por duas razões relacionadas. Eles permaneceram virtualmente não-publicados antes dos anos cinqüenta e, como você diz, contendo uma massa de reflexões sobre assuntos que Marx não desenvolveu em nenhuma outra parte. Não fizeram parte do largamente dogmatizado corpus do marxismo ortodoxo no mundo do socialismo soviético. Mas não podiam simplesmente ser descartados. Puderam, portanto, ser usados por marxistas que queriam criticar ortodoxamente ou ampliar o alcance da análise marxista recorrendo a um texto que não podia ser acusado de herético ou antimarxista. Assim, as edições dos anos setenta e oitenta, antes da queda do Muro de Berlim, seguiram provocando debate, fundamentalmente porque nestes escritos Marx expôs problemas importantes que não foram considerados no Capital, como as questões assinaladas em meu prefácio ao volume de ensaios que você organizou (Karl Marx's Grundrisse. Foundations of the Critique of Political Economy 150 Years Later, editado por M. Musto, Londres-Nueva York, Routledge, 2008).

Marcello Musto: No prefácio deste livro, escrito por vários especialistas internacionais para comemorar o 150° aniversário desta composição, você escreveu: “Talvez este seja o momento correto para retomar o estudo dos Grundrisse, menos constrangidos pelas considerações temporais das políticas de esquerda entre a denúncia de Stalin, feita por Nikita Khruschev, e a queda de Mikhail Gorbachev”. Além disso, para destacar o enorme valor deste texto, você diz que os Grundrisse “trazem análise e compreensão, por exemplo, da tecnologia, o que leva o tratamento de Marx do capitalismo além do século 19, à era de uma sociedade em que a produção não requer já mão-de-obra maciça, à era da automatização, do potencial de tempo livre e das transformações do fenômeno da alienação sob tais circunstâncias. Este é o único texto que vai, de alguma maneira, além dos próprios indícios do futuro comunista apontados por Marx na Ideologia alemã. Em poucas palavras, esse texto tem sido descrito corretamente como o pensamento de Marx em toda a sua riqueza. Assim, qual poderia ser o resultado da releitura dos Grundrisse hoje?

Eric Hobsbawm: Não há, provavelmente, mais do que um punhado de editores e tradutores que tenham tido conhecimento pleno desta grande e notoriamente difícil massa de textos. Mas uma releitura ou leitura deles hoje pode nos ajudar a repensar Marx a distinguir o geral na análise do capitalismo de Marx do que foi específico da situação da sociedade burguesa na metade do século 19. Não podemos prever que conclusões podem surgir desta análise. Provavelmente, somente podemos dizer que certamente não levarão a consensos.

Marcello Musto: Para terminar, uma pergunta final. Por que é importante ler Marx hoje?

Eric Hobsbawm: Para qualquer interessado nas idéias, seja um estudante universitário ou não, é patentemente claro que Marx é e permanecerá uma das grandes mentes filosóficas, um dos grandes analistas econômicos do século 19 e, em sua máxima expressão, um mestre de prosa apaixonada. Também é importante ler Marx porque o mundo no qual vivemos hoje não pode ser entendido sem se levar em conta a influência que os escritos deste homem tiveram no século 20. E, finalmente, deveria ser lido porque, como ele mesmo escreveu, o mundo não pode ser transformado de maneira efetiva se não for entendido. Marx permanece um soberbo pensador para a compreensão do mundo e dos problemas que devemos enfrentar.

Tradução para Sin Permiso (inglês-espanhol): Gabriel Vargas Lozano; Tradução para Carta Maior (espanhol-português): Marco Aurélio Weissheimer

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Com isso ninguém se importa

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Diretora-geral da OMS diz a Temporão que vai corrigir relatório sobre malária - Agência Saúde, 29/9/08

Em encontro com Margareth Chan, em Washington, ministro da Saúde do Brasil reforça críticas sobre erros no documento divulgado semana passada. Opas viu distorções de 200% a 400% em números de todos os países

O ministro da Saúde, Jose Gomes Temporão, aproveitou encontro com a diretora-geral da OMS, Margareth Chan, neste domingo (28), em Washington (EUA), para reclamar pessoalmente da incorreção de dados de um relatório divulgado no dia 18 de setembro sobre a incidência da malária no Brasil. Em resposta, Temporão ouviu da diretora que todas as distorções serão revistas e corrigidas em comum acordo com a Opas e o Ministério da Saúde. Nos estados da Amazônia Legal -- Roraima, Rondônia, Amapá, Maranhão, Mato Grosso, Acre, Amazonas e Tocantins --, em 2006, foram notificados 549.184 casos, e não 1,4 milhão, como informou o relatório da OMS.

O ministro reafirmou que não reconhece como verdadeiros os dados que constam do documento e explicou que a metodologia usada pela OMS não se aplica à situação brasileira, onde, desde 2006, a doença está em declínio. A diretora-geral da OMS ouviu atentamente a explicação do ministro. "Ela não conhecia nossa metodologia", afirmou Temporão.

A conversa com a diretora-geral da OMS ocorreu durante um almoço promovido por brasileiros que trabalham na OPAS em Washington. O ministro viajou à capital dos EUA para participar do 48º Conselho Diretor da OPAS (Organização Pan-Americana de Saúde), que começa nesta segunda-feira (29) e segue até o dia 3 de outubro. Temporão assumirá a presidência do Conselho nesta segunda.

Representantes da Opas informaram ao ministro, também neste domingo, que as incorreções no relatório da OMS não se restringem ao caso do Brasil. De acordo com análise feita por técnicos da Opas, há números superestimados entre 200% e 400% para todos os países das Américas. A exemplo de Temporão, que enviou na semana passada documento solicitando a revisão do material, a Opas também encaminhou relatório apontando os erros encontrados.

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Não acho que o nosso controle da malária esteja essa coca-cola toda, mas não precisa dobrar os números, né não? Isso cansa! E se alguém acha que dou refresco ao Ministério da Saúde é só acompanhar a Radis. A revista não refresca nem quer derrubar ninguém. Quer apenas que o SUS cumpra a Constituição.



domingo, 28 de setembro de 2008

Para estarrecer

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Para quem gosta de ficar estarrecido (acho que sobrevivo neste mundo neoliberal porque minha capacidade de ficar estarrecida é ilimitada), vale uma visita ao blog do Ricardo Kotscho. Os comentários dos leitores são de horrorizar o serial killer mais frio.

Só inglês vê

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Engraçado, agora que os não-fatos começam a ser não-esclarecidos sobre o não-grampo no telefone do não-presidente do Supremo, a grande imprensa está pouco a pouco abandonando o tema. E a Inglaterra bloqueou alguns milhões do Daniel Dantas! Aqui, ele continua soberano.

Quem quiser ficar estarrecido de verdade em toda essa não-polêmica da Operação Satiagraha tem que ler o Paulo Henrique Amorim. É a única fonte séria, na minha humirde. Aqui, ó.

Cuidado, Obama, muito cuidado

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A Claudia comentou essa matéria (27/9) e fui lá buscar, porque a Folha é para assinantes:

"Supremacia branca ainda reina no campus anfitrião"

"Supremacistas brancos usarão todas as armas contra Obama", diz ativista veterano, que não iria ao debate para evitar polêmica

Clara Fagundes

Primeiro aluno negro da Universidade do Mississippi, James Meredith entrou no campus, em 1962, sob escolta da maior operação militar montada em território americano desde a Guerra de Secessão (1861-1865). Missão: derrotar o motim racista, apoiado pelo governador, contra a matrícula de Meredith, determinada pela Justiça. Saldo: dois mortos, centenas de feridos e o fim da segregação na tradicional "Ole Miss", fundada em 1848.

Meredith, hoje aos 75 anos, diz que ganhou "uma batalha contra a supremacia branca", mas que "pouca coisa" mudou no campus.

Anfitriã do debate entre John McCain e Barack Obama, o primeiro negro a disputar a Presidência dos EUA com chances de vitória, a universidade tem hoje 14% de alunos negros -a proporção na população do Estado é de 40%.

Polemista, Meredith disse que não iria ao debate "para não desviar a atenção", mas torce pela vitória de Obama. De sua casa, no Mississippi, ele falou com a Folha, por telefone.


FSP -- A universidade que se insurgiu contra o fim da segregação dá hoje boas-vindas ao primeiro candidato negro com chance de virar presidente. Como o sr. e os eventos de 1962 mudaram a "Ole Miss"?

JM -- Não muito. A supremacia branca ainda comanda. Era assim no Mississippi quando eu nasci, é assim hoje. E, se nada for feito, será assim amanhã.

FSP -- A Ole Mississippi ergueu um memorial ao sr. no campus. Isso não representa alguma mudança?

JM -- Ainda não fui capaz de entender o que aquilo significa. Acho que eles tampouco.

FSP -- O sr. concorreu às prévias da Câmara pelo Partido Republicano e apoiou figuras controvertidas como David Duke [ex-membro da Ku Klux Klan e candidato ao governo da Louisiana em 1991]...

JM -- [Interrompendo] Não tenho partido ou grupo. Também disputei pelo Partido Democrata e até venci a nomeação para o Congresso uma vez, mas retirei a candidatura no dia seguinte. Nunca concorri a um cargo que eu aceitaria. A única razão de ter me candidatado é porque o sistema político é o melhor palco para passar uma mensagem às pessoas.

FSP -- Mas o sr. já acusou a elite progressista de ser a maior inimiga dos negros americanos. Obama representa essa elite?

JM -- Não acho que possa ter uma opinião formada antes das eleições. Espero que Obama vença, isso definitivamente seria um marco na civilização cristã ocidental. Uma coisa está clara para mim: Obama é o homem mais calmo do mundo, o menos incendiário sobre a civilização cristã ocidental. Se alguém é capaz de promover essa mudança, é ele. Mas a supremacia branca tem raízes profundas nos EUA, e no Brasil, e não desistirá facilmente.

FSP -- O sr. é uma figura central da luta pelos direitos civis nos EUA, mas rejeita associação com o movimento organizado. Por quê?

JM -- Sou cidadão americano e, pela Constituição, todo cidadão tem os mesmos direitos. Eles [os ativistas] só exigiam três desses direitos [integração das escolas, desagregação dos espaços públicos e direito ao voto]. Era um insulto para mim. Não eram objetivos pelos quais valesse a pena lutar.

FSP -- E por quais objetivos valeria a pena lutar?

JM -- Por direitos iguais a todos os cidadãos.

FSP -- O senhor não crê que isso aconteça agora?

JM -- De modo algum. É como no esporte. O futebol americano tem aqui a mesma força que o britânico tem para vocês. Há 40 anos, um negro jamais poderia ser quarterback (principal lançador e líder do time) profissional. Hoje, qualquer um que leve o time à vitória pode ser o quarterback. Se Obama vencer, mostrará que a América mudou a tal ponto que qualquer um, branco ou não, pode ser o quarterback do país. Isso não ocorreu ainda, nem sei se ocorrerá. Os supremacistas brancos usarão todas as armadilhas para fazer com que todos os brancos do país votem no candidato branco.

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Impressinante, né? A verdade é que os supremacistas brancos estão mais ativos do que nunca. Tenho uma preocupação muito grande com isso. “Não tenho visto tanto ódio há muito tempo”, diz ao Post Billy Roper, 36 anos, líder do White Revolution, de Arkansas — grupos racistas como o dele cresceram 50% desde 2000. “Nada acordou mais os americanos pacatos do que a possibilidade de um presidente não-branco”. Esse trecho saiu numa matéria do Washington Post em junho que o Globo reproduziu. Tenho medo de que matem o homem. Ai, nem quero pensar nisso.

sábado, 27 de setembro de 2008

Absolutely Right o cacete!

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A superconservadora National Review contou quantas vezes Barack Obama disse que John McCain estava certo no debate de ontem à noite: oito!

* Acho que o senador McCain está absolutamente certo em que precisamos maior responsabilidade...

* O senador McCain está absolutamente certo quando assinala que hoube abuso no processo …

* Ele também está certo em que muitas vezes lobistas e grupos especiais introduzem essas reivindicações

* John mencionou o fato de que os impostos para as empresas são altos nesse país, e ele está absolutamente certo...

* John está certo em que temos que cortar…

* O senator McCain está absolutamente certo em que a violência diminuiu como conseqüência do extraordinário sacrifício de nossos soldados e suas famílias...

* John, você está está absolutamente certo em que presidentes têm que ser prudentes sobre o que dizem...

* O senator McCain está está absolutamente certo, não podemos tolerar um Irã nuclear.


Mas o Globo diz que foram 13. O pessoal da Folha previu e aconteceu: os republicanos já fizeram um anúncio sobre isso.


Vai ser "nice guy" assim lá no Senado. Na Casa Branca num dá.

O curral do Cesar Maia



















Ando desanimadíssima com a campanha no Rio. Só mesmo o Cesar Maia para me... enfurecer. Viram a foto de capa do Globo de ontem? É do Fernando Quevedo. Chico Alencar disse que vai recorrer ao TRE. Os outros candidatos protestaram. Que coisa vergonhosa! Arrebanhar servidor para votar na ridícula Solange! Além de uso da máquina, abuso de poder e chantagem, é de um tremendo mau gosto!

Sabem o que ela respondeu, quando soube das críticas?

Mas as pessoas pediram...

Pode haver uma criatura mais ridícula? E o Cesar Maia acha que algum servidor vai votar nessa idiota?

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Barack Obama tem medo

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Medo de quê? Meu deus do céu, o homem é bonito, jovem, chique, instruído e educado. Medo de quê? Acho que de ultrapassar limites, quaisquer que sejam.

Ele é negro.

PQP, não é fácil ser negro e candidato a presidente num país de supremacistas brancos, não importa que tenham surgido lá as primeiras lutas e as primeiras conquistas dos negros no mundo.

No debate, ele tinha tudo para arrasar McCain, um perfeito idiota, mas ele foi antes de tudo um cavalheiro. Assim, não ganha. McCain foi odioso, apelando para sentimentalismo barato sobre os mortos no Iraque. Ridículo! Vá chorar em Arlington!

Esse primeiro debate foi "brochante", como resumiu minha amiga Claudia. O ponto alto foi o mediador, um perfeito Jim Lehrer, da PBS, a TV pública americana. Ele tentou despertar o pensamento real dos dois candidatos sobre as coisas que importam, mas ambos ficaram num blablablá medíocre. Obama procurou ser mais objetivo, mas McCain vinha logo com suas choramingadas sentimentalistas, ou então tentava dar “aulinhas” a Obama. Foi ridículo, interrompido diversas vezes pelo mediador, que cortou Obama apenas uma vez.

Obama chamou McCain o tempo todo de John, acho que numa tentativa de derrubar o “velho herói” do cavalo. Afinal, os dois são senadores. Mas disse muitas vezes “John está certo quando diz...” Que besteira... “John” não estava certo em nenhum momento, em nem uma frasezinha sequer, pô!

O site da CNN publica a transcrição do debate.

A realidade étnica americana surpreende os desavisados: os brancos são 79,96%; os negros não passam de 12,85%; asiáticos, 4,43%; nativos da América e do Alasca, 0,97%; nativos do Havaí e Pacífico, 0,18%; outras etnias, inclusive hispânicos, 1,61% (CIA World Factbook, estimativa julho/2007). (Radis 73)


Sarah Palin, a tragédia

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Não é possível que a Sarah Palin seja tão burra. Não é possível. E é uma burra perigosa. Quem puder veja os vídeos dela no blog da Folha sobre a eleição americana.

É engraçado demais. Se ela for eleita, contudo, será trágico.

Anos atrás, uma grande amiga, líder feminista, queria que eu participasse de avaliação da candidatura da Roseana. Recusei. Perda de tempo avaliar essa oligarca de berço e idade adulta. Não tem bicho mais conservador do que mulher conservadora. Vide Sarah Palin, uma tragédia anunciada.

Mas pode vencer.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Todo mundo burro

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Fico falando do Obama, mas como a nossa esquerda é burra. né? Ou melhor, como pode continuar tão burra depois de tanto tempo de ditadura e democratização? Molon, Jandira, Paulo Ramos, Chico Alencar, Gabeira... enquanto isso, Eduardo Paes ou não-sei-o-quê Crivela na prefeitura. Só matando!

(Alô, não acho o Obama esquerda, viu? Mas defende bandeiras como união gay, aborto e imigração, coisas que não estão na pauta da direita.)

A Gouveia Vieira me escreveu!

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Quero muito saber quem deu meu endereço à dona Andréia Gouveia Vieira, uma tucana muito da sebosa! Pode ter sido o Unibanco, porque BB, Caixa e Bradesco não foram (o formato do endereço impresso é diferente: eles recebem num arquivo, portanto devem usar igualzinho).

Pois ela me mandou um folder eleitoral em papel couché de luxo! Acho isso um acinte! Quem está pagando? A Firjan? Pois não quero receber mais. Chega a ser pior que a correspondência de Seleções. Ô peste! Já mandei e-mail, já telefonei, juraram que tirariam meu nome do cadastro, mas qual... Vou pro Procon se continuar recebendo correspondência da dona Gouveia.

Vou votar na Jandira e no João Studart (13118). O slogan dele diz assim: "Ética eu aprendi em casa: João Studart, confie neste nome". Não é legal? A Heloneida aprovaria. Gosto do Molonzinho, mas quero ajudar a evitar que Paes e Crivela vão pro segundo turno, que o demônio nos livre e guarde!

Bando de capadócios

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Sinceramente, nunca vi uma campanha à Casa Branca com tantos trapalhões. Se o Obama vencer vai ser porque McCain é mais burro ainda do que George W. Bush – sem falar da ajuda da Miss Alasca, que eu vou te contar.

Mas burro como o Obama não há. Como é que um cara que propõe mudança pode se deixar fotografar e filmar na mesma mesa em que esteja a gangue do Bush? Não consigo entender. Nunca vi tanto burro reunido numa equipe de campanha só como na do Obama.

Não há uma semana em que ele não perca a oportunidade de detonar o adversário, que dá motivo aos quilos, e tudo por burrice e falta de imaginação da equipe (e dele mesmo, claro). Pensei que ele finalmente tivesse tomado jeito quando se recusou a suspender a campanha, como propôs o McCain, mas não. Aceitou ir à Casa Branca para aquele "teatro político", como definiu um senador republicano. Deu no que deu: nada. (O site Gawker diz até que "McCain suspendeu a campanha pra arruinar tudo".)

Burro.

** Quem entende inglês pode ver um vídeo hilário do David Letterman esculhambando o McCain no programa dele que iria ao ar na noite desta quinta (alguém lá de dentro vazou o vídeo... ou então foi um obamista espertinho que estava por lá).

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

O NYT também gostou!

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Veja quem está citado no segundo parágrafo da matéria do New York Times sobre a abertura da assembléia geral da ONU. Diz o texto ("Upheaval on Wall St. Stirs Anger in the U.N."):

"Wall Street and the Bush administration’s record of financial oversight came under attack at the United Nations on Tuesday, with one world leader after another saying that market turmoil in the United States threatened the global economy.

“We must not allow the burden of the boundless greed of a few to be shouldered by all,” said President Luiz Inácio Lula da Silva of Brazil in an opening speech that reflected the tone of the gathering.
"Tradução" do marinildadas

"Baderna em Wall Street causa raiva na ONU: A lambança de Wall Street e do governo Bush na resposta à crise financeira ficou sob ataque nas Nações Unidas na terça-feira, com um líder mundial após o outro dizendo que a desordem do mercado dos Estados Unidos ameaça a economia global.

'Não podemos permitir que o ônus da cobiça desenfreada de uns poucos recaia sobre os ombros de todos', disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva num discurso de abertura que refletiu o tom do encontro".

Como nunca antes na história deste país, o mundo se dobra outra vez. Lulei de novo com esse discurso e com a fala dele sobre aborto e casamento gay. Custou! (Não que eu tenha deslulado, mas andava macambúzia e meditabunda...) O Globo quase ignorou, a Folha deu até foto do Lula na capa. Para ler a íntegra da matéria no NYT é preciso fazer cadastro, mas é grátis.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Discurso do ano

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Caramba, caiu meu queixo! Parece que foi o Franklin Martins que escreveu. Se foi mesmo, o Lula achou seu ghost writer.

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Discurso de Lula na abertura da 63ª Assembléia Geral das Nações Unidas
Nova York, 23 de setembro de 2008


Senhores e senhoras chefes de Estado e de Governo,
Senhor Miguel d’Escoto, presidente da Assembléia Geral das Nações Unidas,
Senhor Ban Ki-moon, secretário-geral das Nações Unidas,
Senhoras e senhores chefes de Delegação,

Saúdo, com alegria, o presidente da Assembléia Geral, meu ilustre amigo Miguel d’Escoto. Desejo-lhe pleno êxito em sua missão.
Esta Assembléia realiza-se em um momento particularmente grave. A crise financeira, cujos presságios vinham se avolumando, é hoje uma dura realidade. A euforia dos especuladores transformou-se em angústia dos povos após a sucessão de naufrágios financeiros que ameaçam a economia mundial.
As indispensáveis intervenções do Estado, contrariando os fundamentalistas do mercado, mostram que é chegada a hora da política. Somente a ação determinada dos governantes, em especial naqueles países que estão no centro da crise, será capaz de combater a desordem que se instalou nas finanças internacionais, com efeitos perversos na vida cotidiana de milhões de pessoas.
A ausência de regras favorece os aventureiros e oportunistas, em prejuízo das verdadeiras empresas e dos trabalhadores. É inadmissível, dizia o grande economista brasileiro Celso Furtado, que os lucros dos especuladores sejam sempre privatizados e suas perdas, invariavelmente socializadas.
O ônus da cobiça desenfreada de alguns não pode recair impunemente sobre os ombros de todos. A economia é séria demais para ficar nas mãos dos especuladores. A ética deve valer também na economia. Uma crise de tais proporções não será superada com medidas paliativas. São necessários mecanismos de prevenção e controle, e total transparência das atividades financeiras.
Os organismos econômicos supranacionais carecem de autoridade e de instrumentos práticos para coibir a anarquia especulativa. Devemos reconstruí-los em bases completamente novas. Dado o caráter global da crise, as soluções que venham a ser adotadas deverão ser também globais, tomadas em espaços multilaterais legítimos e confiáveis, sem imposições. Das Nações Unidas, máximo cenário multilateral, deve partir a convocação para uma resposta vigorosa às ameaças que pesam sobre nós.
Há outras questões igualmente graves no mundo de hoje. É o caso da crise alimentar, que ameaça mais de um bilhão de seres humanos; da crise energética, que se aprofunda a cada dia; dos riscos para o comércio mundial, se não chegarmos a um acordo na Rodada de Doha; e da avassaladora degradação ambiental, que está na origem de tantas calamidades naturais, golpeando sobretudo os mais pobres.

Senhor Presidente,
Senhoras e senhores,
O Muro de Berlim caiu. Sua queda foi entendida como a possibilidade de construir um mundo de paz, livre dos estigmas da Guerra Fria. Mas é triste constatar que outros muros foram se construindo, e com enorme velocidade. Muitos dos que pregam a livre circulação de mercadorias e capitais são os mesmos que impedem a livre circulação de homens e mulheres, com argumentos nacionalistas, e até fascistas, que nos fazem evocar, temerosos, tempos que pensávamos superados.
Um suposto “nacionalismo populista”, que alguns pretendem identificar e criticar no Sul do mundo, é praticado sem constrangimento em países ricos. As crises financeira, alimentar, energética, ambiental e migratória, para não falar das ameaças à paz em tantas regiões, demonstram que o sistema multilateral deve se adequar aos desafios do século XXI. Aos poucos vai sendo descartado o velho alinhamento conformista dos países do Sul aos centros tradicionais.
Essa nova atitude não conduz, no entanto, a uma postura de confrontação. Simplesmente pelo diálogo direto, sem intermediação das grandes potências, os países em desenvolvimento têm-se credenciado a cumprir um novo papel no desenho de um mundo multipolar. Basta citar iniciativas como o IBAS, o G-20, as cúpulas América do Sul-África ou América do Sul-Países Árabes e a articulação dos BRICs.
Está em curso a construção de uma nova geografia política, econômica e comercial no mundo. No passado, os navegantes miravam a estrela polar para “encontrar o Norte”, como se dizia. Hoje estamos procurando as soluções de nossos problemas contemplando as múltiplas dimensões de nosso Planeta. Nosso “norte” às vezes está no Sul.
Em meu continente, a Unasul, criada em maio deste ano, é o primeiro tratado – em 200 anos de vida independente – que congrega todos os países sul-americanos. Com essa nova união política vamos articular os países da região em termos de infra-estrutura, energia, políticas sociais, complementaridade produtiva, finanças e defesa.
Reunidos em Santiago do Chile há pouco mais de uma semana os presidentes da América do Sul, comprovamos a capacidade de resposta rápida e eficaz da Unasul frente a situações complexas, como a que vive a nação-irmã boliviana. Respaldamos seu governo legitimamente eleito, suas instituições democráticas e sua integridade territorial e fizemos um apelo ao diálogo como caminho para a paz e a prosperidade do povo boliviano.
Em dezembro, o Brasil irá sediar, na Bahia, uma inédita cúpula de toda a América Latina e do Caribe sobre integração e desenvolvimento. Será uma reunião de alto nível, sem qualquer tutela, assentada em uma perspectiva própria latino-americana e caribenha.
Todos esses esforços no plano multilateral são complementados por meio de ações de solidariedade de meu país para com nações mais pobres, especialmente na África. Quero também enfatizar nosso compromisso com o Haiti, país em que exercemos o comando das tropas da Minustah e ajudamos a restabelecer a paz. Renovo meu chamamento à solidariedade dos países desenvolvidos com o Haiti, muito prometida e pouco cumprida.

Senhor Presidente,
A força dos valores deve prevalecer sobre o valor da força. É preciso que haja instrumentos legítimos e eficazes de garantia da segurança coletiva.
As Nações Unidas discutem há quinze anos a reforma do Conselho de Segurança. A estrutura vigente, congelada há seis décadas, responde cada vez menos aos desafios do mundo contemporâneo. Sua representação distorcida é um obstáculo ao mundo multilateral que todos nós almejamos. Considero, nesse sentido, muito auspiciosa a decisão da Assembléia Geral de iniciar prontamente negociações relativas à reforma do Conselho de Segurança.
O multilateralismo deve guiar-nos também na solução dos complexos problemas ligados ao aquecimento global, com base no princípio de responsabilidades comuns, porém diferenciadas. O Brasil não tem fugido a suas responsabilidades. Nossa matriz energética é crescentemente limpa.
As crises alimentar e energética estão profundamente entrelaçadas. Na inflação dos alimentos estão presentes – ao lado de fatores climáticos e da especulação com as commodities agrícolas – os aumentos consideráveis do petróleo, que incidem pesadamente sobre o custo de fertilizantes e transporte.
A tentativa de associar a alta dos alimentos à difusão dos biocombustíveis não resiste à análise objetiva da realidade. A experiência brasileira comprova – o que poderá valer também para outros países com características semelhantes – que o etanol de cana-de-açúcar e a produção de biodiesel diminuem a dependência de combustíveis fósseis, criam empregos, regeneram terras deterioradas e são plenamente compatíveis com a expansão da produção de alimentos. Queremos aprofundar esse debate, em todos os seus aspectos, na Conferência Mundial sobre biocombustíveis que convocamos para novembro, na cidade de São Paulo.
Minha obsessão com o problema da fome explica o empenho que tenho tido, junto a outros líderes mundiais, para chegar a uma conclusão positiva da Rodada de Doha. Continuamos insistindo em um acordo que reduza os escandalosos subsídios agrícolas dos países ricos. O êxito da Rodada de Doha terá impacto muito positivo na produção de alimentos, sobretudo nos países pobres e em desenvolvimento.

Senhor Presidente,
Há quatro anos, junto com vários líderes mundiais, lancei aqui em Nova Iorque a Ação contra a Fome e a Pobreza. Nossa proposta era, e continua sendo, a de adotar mecanismos inovadores de financiamento. A Unitaid, Central de Compra de Medicamentos, é um primeiro resultado dessa iniciativa, ajudando a combater Aids, tuberculose e malária em vários países da África. Mas não basta. Precisamos avançar, e muito, se queremos que a Humanidade cumpra efetivamente as Metas do Milênio.
Em dezembro serão comemorados os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que não pode ser objeto de uma homenagem meramente protocolar. Ela traduz compromissos inalienáveis, que nos interpelam a todos. Como governantes, mais do que a defesa retórica da Declaração, somos chamados a lutar para que os valores proclamados há seis décadas se transformem em realidade em cada país e em todo o mundo.

Senhor Presidente,
O Brasil de hoje é muito distinto daquele de 2003, ano em que assumi a Presidência do meu país e em que, pela primeira vez, compareci a esta Assembléia Geral. Governo e sociedade deram passos decisivos para transformar a vida dos brasileiros. Criamos quase 10 milhões de empregos formais. Distribuímos renda e riqueza. Melhoramos os serviços públicos. Tiramos 9 milhões de pessoas da miséria e outras 20 milhões ascenderam à classe média. Tudo isso em um ambiente de forte crescimento, estabilidade econômica, redução da vulnerabilidade externa e, o que é mais importante, fortalecimento da democracia, com intensa participação popular.
No ano em que celebramos o centenário do grande brasileiro Josué de Castro, o primeiro diretor-geral da FAO e um dos pioneiros da reflexão sobre o problema da fome no mundo, vale a pena recordar sua advertência: “Não é mais possível deixar-se impunemente uma região sofrendo de fome, sem que o mundo inteiro venha a sofrer as suas conseqüências.” Tenho orgulho de dizer que o Brasil está vencendo a fome e a pobreza.

Senhor Presidente,
Reitero o otimismo que expressei aqui há cinco anos. Somos muito maiores do que as crises que nos ameaçam. Dispomos de sentimento, razão e vontade para vencer qualquer adversidade. Esse, mais do que nunca, é o espírito dos brasileiros.
Muito obrigado.
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